Raul - O Início, o Fim e o Meio

Finalmente alguém teve a brilhante ideia de realizar um digno trabalho cinematográfico sobre a vida da maior voz do rock brasileiro. Os méritos desse documento fundamental vão para Walter Carvalho, diretor que chamou atenção com o badalado "Cazuza - O Tempo Não Pára", e que neste "Raul - O Início, o Fim e o Meio", se dedicou de forma inspirada a missão de esmiuçar a vida e obra de Raul Santos Seixas. Ele e o roteirista Leonardo Gudel tentaram entender aquilo que não tem explicação, e chegaram muito perto disso.

Quando Raul nasceu, em 1945, não existia o Rock 'N' Roll. Muitos talvez nunca pensaram nessa estranha realidade, essa difícil concepção existencial em que... o Rock... simplesmente não existe. Deveria ser algo enlouquecedor. Mas para salvar o baiano, havia Luiz Gonzaga. 

Muitos outros garotos esperavam naquela época, inconscientemente, um sinal para despertar - como espiões adormecidos que saberiam o exato momento de atacar. Lennon disse certa vez que, após ver um cinema lotado de garotas histéricas gritando para o Elvis da tela, decidiu então, naquele exato momento, que seria uma estrela do rock. E o mesmo aconteceu com Raul Seixas.


O som vindo da América foi algo que mudou o garoto para sempre. A voz marcante de Little Richard, a guitarra desafiadora de Chuck Berry, a atitude e personalidade do Rei... tudo isso moldou a base da carreira de um dos mais influentes músicos desse país, mesmo ele acreditando não ter nada a ver com a linha evolutiva da Música Popular Brasileira... Mas sim, ele teve a ver... pois Raulzito fazia arte, e não apenas Rock 'N' Roll. Ele compunha boleros, forrós, tangos em que dançava com a morte, valsas orquestradas e de letras profusas, que de tão inteligentes, talvez nunca recebam aquele "tal cuspe" merecido. Mais ou menos isso.

As opções de Walter Carvalho em "Raul - O Início, o Fim e o Meio" não poderiam ser mais honestas. Não tentando reinventar a roda, o diretor apenas segue passo a passo a evolução do artista, se preocupando em montar de maneira correta a alucinante vida do cantor. Para isso, ele se utilizou sabiamente do rico material que tinha em mãos (com áudios, fotos e vídeos incríveis), além das excelentes entrevistas com todos os parceiros do músico, parentes, amigos do tempo de "Elvis Rock Club" (o primeiro rock club do Brasil!) e por aí vai. Um dos momentos mais pessoais e relevantes da obra, é o mergulho profundo nos complicados entreatos amorosos da vida do cantor, analisando intimamente as mulheres de sua vida (elas foram muitas, e foram intensas), emocionando também ao mostrar a importância - negativa e positiva - do Raul pai na vida de suas descendentes.


O documentário consegue contextualizar de forma clara todas as escolhas de Raul, suas influências temporais, a inteligência e vontade de fazer sucesso, o yê-yê-yê realista, os Panteras, suas inquietações e disseminações de contra-cultura, os melhores parceiros, os atritos por trás destas sociedades, suas escolhas certas-erradas, o importante "Sociedade da Grã-Ordem Kavernista Apresenta Sessão das 10", o ano em que "andou" com o barra pesada Aleister Crowley, a fome no Rio que se transformou na poética "Ouro de Tolo" (a técnica vocal incomparável da canção era apenas uma de suas qualidades), a multidão de seguidores fiéis, as filhas abandonadas, a doença e a depressão, o "Carimbador Maluco", os 50 últimos shows, o emocionante reencontro com o parceiro Paulo Coelho, a "Panela do Diabo", que lhe manteve vivo para dizer algo mais... e o Jardim da Saudade

E depois de idas e vindas em clínicas, operações e tudo mais, a maior decadência que se abateu sobre o cantor foi a física, com a diabetes maltratando, o inchaço da maldita cana evidente, de olhos cansados e lentos, como se visse tudo de dentro, indo de encontro com a morte ao invés de esperar. Mas uma coisa é certa: tudo isso foi muito triste, seria hipocrisia dizer que não, mas pelo menos esta degradação de corpo, alma e mente de Raul Seixas nunca impediu que suas palavras se perdessem. Nenhuma das linhas escritas pelo compositor foram em vão.


No final, fica a impressão de que ele desafiou o próprio diabo: o mesmo deve ter ido buscar sua alma lá pelos 27, mas Raul não quis ir, pois o tinhoso não estava tão bem vestido. Ele decidiu esperar pela morte suntuosa ... e o preço foi alto. Ele pagou cedendo tudo que tinha: sua alegria, disposição, seus amigos e amores, sua sanidade e saúde. Mas como disse o eternamente respeitável Marcelo Nova: "Raul morreu de pé, no palco e aplaudido". Triste? Talvez. Esquecido? Jamais. 

Com "Raul - O Início, o Fim e o Meio", o artista soteropolitano finalmente recebe uma análise completa, aprofundada e relevante de sua vida. Walter Carvalho conseguiu reunir personagens de peso, arrancar palavras importantes e remendar de maneira memorável uma louca história de sexo, drogas e Rock 'N' Roll. Viva a Sociedade Alternativa! Viva! Viva!




Raul - O Início, o Fim e o Meio : Brasil/ 2012/ 128 min/ Direção: Walter Carvalho, Leonardo Gudel/ Elenco: Paulo Coelho, Luiz Carlos Maciel, Roberto Carlos Menescal, Marcelo Nova, Caetano Veloso, Tom Zé, Pedro Bial, Kika Seixas

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