Um homem entra em um restaurante de beira de estrada e pede, simplesmente, 15 cheeseburgers para comer no local. Todos em volta ficam surpresos e duvidam do franzino senhor e de seu apetite voraz. Uma aposta então é realizada, e surpreendentemente o homem come tudo sem ao menos suar. Antes de sair, um dos apostadores pergunta qual é o truque, a comida não poderia estar dentro dele mesmo. O homem responde que sempre gostou de comer, mas que se sentia frustrado pela pouca capacidade de seu estômago. Um dia, "alguém" lhe concedeu um desejo especial e deu lhe um apetite gigante e um buraco negro no lugar do estômago, sendo que no final comer se tornou um fardo, pois ele nunca estaria satisfeito, e precisaria viver de apostas pela estrada para conseguir pagar suas enormes refeições. Ou seja, ele desejou aquilo, e o tiro acabou saindo pela culatra. Este é o interessante espírito de "Interstate 60: Episodes of The Road" ("Viagem sem Destino").
Meio que uma pérola perdida do começo do século 21, este não é um filme perfeito, muito pelo contrário, possui diversas inconsistências que, principalmente hoje, podem saltar aos olhos dos mais críticos. Mas é impossível negar a qualidade do roteiro e de sua empolgante história, que de forma honesta conquista seus espectadores com contos curiosos, recheados de significados.
A trama nos apresenta Neal Oliver, um jovem artista que se vê numa encruzilhada: ceder ou não aos desejos do pai, que anda forçando a barra para que o mesmo estude advocacia, seguindo assim seus passos. Em seu aniversário de 22 anos, antes de apagar as velinhas, ele faz um pedido: uma resposta para sua vida. Esta simbólica e humilde requisição desperta o interesse de O.W. Grant (O.W. de "One Wish"), uma espécie de ser fantástico que realiza desejos pelas estradas dos EUA, mais especificamente na imaginária Interstate 60.
O que vem a seguir é uma busca extremamente divertida por esta resposta enigmática. Nesta viagem, ao melhor estilo "Road Movie", o personagem principal irá se deparar com histórias fantásticas e surreais, cheias de lições de moral e personagens estranhos. E para ajudar, Neal leva consigo seu presente de aniversário, uma Bola 8 que responde quase tudo que ele pergunta de forma, digamos, extremamente eficaz.
"Interstate 60..." foi um dos poucos trabalhos de Bob Gale como diretor. Ele é mais conhecido pela roteirização de todos os filmes (e produções paralelas) da franquia "De Volta para o Futuro". Com um currículo de direção mais voltado para séries, o filme apresenta um forte espírito televisivo, que é formado por uma trilha sonora funcional, mas simplista em sua essência (melodicamente falando), além da fotografia ligeiramente pobre, a falta de criatividade em ângulos e elaborações de cenas pouco versáteis. A força vital fica então no roteiro e seus ricos personagens.
O time de atores principais conta com James Marsden (o Ciclope do filme "X-Men") como o jovem Neal. O sempre excelente Gary Oldman dá vida ao ser mágico O.W. Grant, e a bela atriz - que não vingou muito - Amy Smart interpreta a mocinha da fita, Lynn Linden. Um dos fatores que faz do filme uma pequena pérola são suas muitas participações especiais: já no início temos a presença de Michael J. Fox em uma hilária cena (e isso foi logo depois do ator ter sido diagnosticado com Mal de Parkison), Cristoper Loyd (também do time "De Volta para o Futuro") se mostra enigmático como o doutor Ray, já no controle da cidade dominada pela droga Euphoria surge Kurt Russel como o capitão de polícia Ives, Chris Cooper (imortalizado com seu personagem Laroche, no filme "Adpatação") faz o maluco suicida Bob Cody, e fechando temos ainda a bela ex-Power Ranger rosa, Amy Jo Johnson, como a ninfomaníaca Laura.
"Interstate 60: Episodes of The Road" conquista pela sua simplicidade, que aparece envolta em uma linguagem extremamente criativa e interessante, lembrando em muito o feeling de intimidade da franquia "De Volta para o Futuro". Apesar do clima de TV e de suas limitações, os "episódios" bem construídos prendem, de forma satisfatória, a atenção de quem assiste. Para quem viu o filme na época do lançamento, fica aquele sentimento nostálgico, em que o verniz do tempo o deixa bem mais atraente. Para quem assiste hoje, é diversão despretensiosa, servindo mais como uma curiosidade cult.
PS: As fábulas americanas até hoje não possuem nenhum ser que realize desejos, como por exemplo, o gênio da lâmpada de origem árabe. Este O.W. Grant é o mais perto que os EUA chegaram disso.
Viagem sem Destino/ Interstate 60: Episodes of the Road: Canadá, Estados Unidos/ 2002/ 116 min/ Direção: Bob Gale/ Elenco: Gary Oldman, Michael J. Fox, James Marsden, Christopher Lloyd, Chris Cooper, Amy Smart, Kurt Russell