O tema "relacionamento" é definitivamente um dos mais complicados de serem abordados, e isso pode ser explicado facilmente com uma passagem desse filme em questão: "Eu não aguentaria viver minha vida presa a uma rotina. Deve ser um inferno… ou uma maravilha". A ambiguidade desta sentença nos revela o quão difícil é tentar explicar o porquê do assunto ser tratado como bom ou ruim, ou os dois. Normalmente, nos filmes mais tradicionais os erros ensinam, e nos mais ousados matam, como neste "Não é Mais uma História de Amor". Sim, o personagem principal Jonas, interpretado por Anders W. Berthelsen, morre por amor, ou pelo amor. É a primeira cena do filme, e também a última. Mas, é após entendermos os motivos de sua morte, que podemos questionar os diferentes aspectos de algo tão inexplicável.Jonas é fotógrafo. Estudou arte esperando trabalhar com coisas bonitas, mas acabou registrando mortes como parte de uma equipe de perícia policial. Casado e com dois filhos, certo dia ele se envolve em um acidente, e a imagem da vítima em seus braços - uma linda mulher - o hipnotiza. Seu nome é Julia, e ela sobrevive. Sentindo-se culpado pelo ocorrido, Jonas vai ao hospital para saber o estado em que a desconhecida se encontra. Como era permitida apenas a entrada de parentes, ele se identifica como o namorado, e se depara com toda a família dela no quarto. Eles não conheciam este novo "caso" de Julia, e assim o problema se inicia - não se engane, este filme não uma mera cópia de "Enquanto Você Dormia". Jonas fica fascinado pela mulher e segue adiante com a farsa, e os problemas provenientes dessa escolha são catastróficos, como vocês já sabem.
Pouco dias depois de toda a comoção, Julia acorda. Ela está parcialmente cega e com amnésia. Conveniente, não? Tudo parece favorecer Jonas. A família abastada logo o aceita como um deles e, sem pensar muito nas consequências, o impostor parte nessa aventura, deixando tudo para trás, se tornando Sebastian, o misterioso namorado que Julia conheceu em suas viagens pelo mundo.
Um amigo investigador, Frank – que mantém um caso com Mette, esposa de Jonas – afirma ter descoberto que o verdadeiro Sebastian havia sido encontrado morto. Mas nem tudo é o que parece. Enquanto isso, as memórias de Julia começam a voltar. Ela se lembra de coisas horríveis, cenas onde Sebastian a espanca. O relacionamento dos dois era perigoso e os momentos finais desse namoro pareciam esconder um terrível crime. Tudo vai se revelando de forma surpreendente até o fatídico final.
O diretor e roteirista dinamarquês Ole Bornedal é eficiente em seu ofício. Com uma trama aparentemente comum, ele realiza desdobramentos incríveis, dando muita profundidade a seus personagens, fazendo com que a complexidade e mistério de cada indivíduo se torne um gancho para a maioria das cenas. Ele consegue prender a atenção do espectador com sucesso, que fica sempre esperando o próximo passo. Tudo é muito bem amarrado por bons diálogos, por vezes surreais, e em outros momentos, carregados de humor negro. A estética apurada é também um ponto fundamental da obra. A fotografia sufocantemente fria se contrasta com as belezas naturais da Dinamarca. Edição ágil e sequências muito bem construídas completam o pacote.
O já citado Anders W. Berthelsen, que interpreta Jonas, não perde o foco em momento algum. Podemos perceber que o personagem é, em sua totalidade, um bom homem, mas suas escolhas são inconsequentes, e desvirtuam sua personalidade. Rebecka Hemse, que interpreta Julia, talvez tenha ficado com o maior desafio. Mesmo interpretando alguém que acabou de sofrer um grave acidente, fica sutilmente claro que sua personagem não é uma pessoa inocente, tem seus defeitos aos montes.
Em resumo: "Não é Mais uma História de Amor" é uma excelente produção. Os pontos positivos de sua estética visual e de seu roteiro são claros. A cena do acidente envolvendo Jonas e Julia é sensacional - são usados ótimos efeitos especiais, mas não em demasia, tudo é feito de forma inteligente, sempre em prol do resultado final. O tema é forte, e assim como todo filme sobre relacionamentos, pode incomodar alguns em certos momentos - na verdade é a realidade que incomoda, mesmo que disfarçada de uma estranha e bizarra história de amor.
