Uma das principais motivações de Tim Burton ao produzir "Sombras da Noite", foi prestar uma homenagem a famosa série televisiva americana "Dark Shadows", exibida de 1966 à 1971. Criada por Dan Curtis, a obra do canal ABC passeava livremente pelo universo do sobrenatural, dando vida a lobisomens, fantasmas, zumbis, bruxas, feiticeiros e vampiros - neste último caso, mais especificamente, o vampiro Barnabas Collins, um dos motivos de maior destaque por trás do sucesso do show.
E quem foi escolhido para interpretar o sugador de sangue na releitura de Burton? Claramente, seu alter ego Johnny Depp, que afirmou em algumas entrevistas gostar tanto do personagem que, quando criança, desejava ser o próprio.
Criando uma história meio que do zero para esta adaptação, Burton busca dar importância ao nome de Barnabas, transformando ele em um herdeiro amaldiçoado que vê sua amada Victória tirar a própria vida ao mergulhar de um penhasco no topo de uma colina. Ela foi vítima de uma bruxaria, perpetrada pela belíssima Angelique, uma serviçal cujo o amor por Barnabas não foi correspondido. Estendendo sua maldição, a mesma transformou o amado em um vampiro, o enterrando por séculos à fio. Assistindo então a derrocada da família Collins em sua própria cidade - Collinwood -, Angelique faz crescer um império pesqueiro (tradição do local), simulando diversas vidas diferentes para esconder sua resistência ao tempo.
Quando o vampiro é encontrado por operários "mefistofélicos" (na verdade um massivo M confundi Barnabas... se tratava apenas de uma franquia do McDonalds), tudo estava diferente. Mais que prontamente, o ser imortal se reúne aos seus ditantes parentes de sangue, e juntos, tentam reerguer o nome Collins. Mas tudo mudará de figura quando a jovem Josette DyPres, tutora do pequenino e problemático David Collins, revelar suas motivações verdadeiras. Ela é acompanhada pelo espírito de Victoria, sua antepassada suicida.
Com as devidas apresentações feitas, podemos perceber os pontos positivos e negativos da obra, que são extremamente delineáveis. Tim Burton é dono de um talento único, e sempre fez questão de impor a todo custo sua estilizada visão de mundo, carregada de elementos góticos, mas, ironicamente, enfeitada por muitas cores. Depois de produzir blockbusters como "Peixe Grande", "A Fantástica Fábrica de Chocolate" e "Alice no País das Maravilhas", o diretor começou a prestar ainda mais atenção aos detalhes de suas produções, abusando de cenários grandiosos, muitas vezes feitos através da computação gráfica. O resultado plástico é algo infinitamente prazeroso de se ver.
Já o maior problema está no roteiro, que não estabelece fluidez e nem veracidade para as cenas. Parece errado buscar esta "veracidade" em algo fantasioso, mas o fato é que: diante de algo sobrenatural, esperamos ao menos uma curva de adaptabilidade dos personagens. Se eles aceitam tudo de maneira robótica, o encanto e estranheza da situação perde sua força completamente. E é isso que acontece com o texto de Seth Grahame-Smith. Estes momentos de constatação e aceitação de algo inacreditável são sim argumentados, só que pobremente, o que tira a importância do mote da história: um vampiro vivendo entre humanos. Outro equivoco foi, no final, abarrotar desfechos de personagens que haviam sido irrisoriamente explorados durante toda a fita. A intenção era emular a diversidade da série original, mas acabou apenas como algo desnecessário.
No entanto a interpretação de Johnny Depp acaba se revelando o trunfo do longa, pois concede a Barnabas um tom e ritmo de humor diferenciados, uma mistura inteligente que resulta em um personagem atemporal, típico de comédias clássicas, e que ao mesmo tempo flerta com o presente. O ator opta por certa humildade excêntrica, se alicerçando fortemente em tradições e honrarias antigas, utilizando um vocabulário arcaico, retumbante e "fantasmagórico" - tudo bem hilário. No elenco temos ainda Michelle Pfeiffer como Elizabeth Collins - não tão a vontade -, Helena Bonham Carter como Dra. Julia Hoffman - sempre visceral e maníaca - e Eva Green - que se mostra outro problema da fita, pois sem credibilidade, acaba não segurando com firmeza o papel da vilã Angelique (mesmo se encaixando perfeitamente na coleção de mulheres estranhas de Burton, sua interpretação sofre com certa falta de carisma e firmeza). Já Christopher Lee, Jackie Earle Haley e Chloë Grace Moretz são pouco explorados pelo roteiro, e ficam perdidos no contexto.
No final, " Sombras da Noite" não é um filme ruim, é simplesmente medíocre (lembrem-se que medíocre vem de médio). A direção atenciosa e visualmente eloquente de Tim Burton gera bons momentos e sequências muito engraçadas, a interpretação de Johnny Depp é eficiente, e a produção, efeitos especiais, maquiagem, fotografia impecável, trilha sonora setentista incrível... se mostram ricas e repletas de qualidades. No entanto, na hora de fundamentar a história, algo fica suspenso, culminando em um clima artificial e sem atrativos, matando a trama. Certos personagens são pouco trabalhados e algumas escolhas parecem feitas às pressas, soando apenas como desnecessárias - como já foi dito. Mas pelo menos eles chamaram o Alice Cooper para tocar seu clássico "No More Mr. Nice Guy", e isso foi bem maneiro.
Sombras da Noite/ Dark Shadows: EUA/ 2012/ 113 min/ Direção: Tim Burton/ Elenco: Johnny Depp, Michelle Pfeiffer, Helena Bonham Carter, Eva Green, Jackie Earle Haley, Jonny Lee Miller, Bella Heathcote, Chloë Grace Moretz, Alice Cooper, Christopher Lee