Todo diretor espera que seu filme, depois de terminado os créditos finais, deixe uma marca registrada no inconsciente do público, tendo ele gostado ou não do que viu. "Réquiem para um Sonho" é um bom exemplo deste raciocínio, pois consegue, em seus 102 minutos, mostrar claramente tudo que há de pior no consumo de drogas (sejam elas legais ou ilegais), tratando o assunto sem embelezamentos e reticências, entregando tudo de forma nua, crua e marcante. Uma verdadeira marcha fúnebre que acompanha a trôpega esperança dos personagens.
Inspirado no romance de Hubert Selby Jr., a trama se apresenta de forma simples, onde o ponto central está nos vícios da sociedade moderna, como heroína, "TV aberta", a busca insana pela beleza, a perversidade sexual, e diversos outros fatores desencadeados pela solidão, ganância e inconsequência. O filme conta a história de Harry Goldfarb (Jared Leto), que tem a "brilhante" idéia de revender uma droga boa alterando sua qualidade. Ele tem ajuda de sua namorada Marion Silver (Jennifer Connelly) e seu amigo Tyrone C. Love (Marlon Wayans). Juntos eles iniciam esta parceria no crime, mas as reviravoltas deste mundo se tornariam bruscas demais para os três, para qualquer um na verdade.
Sendo este trabalho um ponto alto na carreira de todos os envolvidos, podemos elogiar o time de atores, que se entrega de forma profunda aos personagens: Leto emagreceu doze quilos; Wayans se saiu muito bem fora das comédias; Connelly, bem... Ela está linda como sempre. Mas o grande tesouro do elenco é Ellen Burstyn interpretando Sara Goldfarb (mãe de Harry), cujo desempenho lhe rendeu uma indicação ao Oscar na categoria de Melhor Atriz. Desaparecendo dentro de Sara, a atriz expõe a solidão de uma mulher que nada mais tem na vida a não ser assistir seu programa de TV preferido e tentar emagrecer para entrar em seu velho vestido vermelho, no qual ficava tão bonita. É para isso que ela toma suas anfetaminas, e assim, deteriora o que lhe resta de sanidade.
O diretor Darren Aronofsky já havia mostrado que era capaz de mexer com a mente humana quando lançou seu excelente filme de estreia "PI", sobre um matemático pirado que tenta achar um padrão numérico na bolsa de valores. Mas foi com "Réquiem..." que ele alcançou o sucesso e reconhecimento da indústria cinematográfica. Só que onde afinal está o diferencial deste filme tão cultuado? O tema "drogas" por natureza se favorece (tomando como exemplo a grande quantidade de ótimos títulos relacionados ao assunto, como "Medo e Delírio", "Transpotting" e "Profissão de Risco"), mas porque esta obra se tornou, de certa forma, tão marcante? A resposta é simples: montagem, edição e trilha.
É claro que as interpretações, o roteiro extramente pesado e os diversos ângulos criativos de Aronofsky são de suma importância para o resultado final - como as muitas cenas de grande angular (de efeito arredondado), que nos deixam imersos neste mundo de loucura. Tudo tem seu peso óbvio e valor, mas é a união da montagem, edição e trilha sonora que faz do filme uma experiência inesquecível.
Muito utilizada por diretores ingleses, como Guy Ritchie ("Snatch – Porcos e Diamantes"), e Edgar Wright ("Todo Mundo Quase Morto"), está forma frenética de finalização - que aqui ganha personalidade diferenciada pelas mãos do editor Jay Rabinowitz - é marcante demais para passar despercebida, principalmente se tratando de pupilas dilatadas, tiros de cocaína (literalmente) e diversos outros elementos que, unidos aos efeitos sonoros, se tornam uma ópera industrial moderna. A trilha de Clint Mansell, interpretada pelo Kronos Quartet, se tornou icônica, sendo massivamente utilizada por outros filmes. Até mesmo Peter Jackson utilizou a visceral "Lux Aeterna" (hit principal da obra) no trailer de seu "O Senhor dos Anéis II – As Duas Torres". Dispondo de muitos instrumentos clássicos, como violinos e violoncelos, Mansell ironicamente ressalta como estrutura principal de suas canções o eletrônico, oferecendo assim uma mistura inusitada e extremamente funcional.
"Réquiem para um Sonho" é um filme contra as drogas e seu efeito é devastador. Temos a possibilidade de entender, de forma distante, toda a gama de literal "desgraça" que essas pessoas enfrentam. O desconforto vem do desespero e da óbvia falta de amparo dos personagens, fato simbolicamente apresentado na posição fetal em que todos adotam em certo momento, perdidos na realidade do que acontece ao seu redor, talvez tentando esquecer.
De forma perturbadora, os últimos 40 minutos da película são uma insana e constante queda, representando o fim do corpo e da mente daqueles que ousaram subestimar seus próprios limites, seus vícios. Um filme excelente, mas que não é fácil e precisa de um tempo para ser digerido.
De forma perturbadora, os últimos 40 minutos da película são uma insana e constante queda, representando o fim do corpo e da mente daqueles que ousaram subestimar seus próprios limites, seus vícios. Um filme excelente, mas que não é fácil e precisa de um tempo para ser digerido.
Confira o Trailer:
Réquiem para um Sonho/ Requiem for a Dream: Estados Unidos/ 2000/ 102 min/ Direção: Darren Aronofsky/ Elenco: Ellen Burstyn, Jared Letto, Jennifer Connelly, Marlon Wayans, Christopher McDonald, Louise Lasser, Mark Margolis