Realismo nas idéias e palavras. “O Vencedor” é cinema de verdade, o resto é papo furado.
Há três anos, “O Vencedor” seria dirigido por Darren Aronofsky. Isso não rolou, e em 2008 ele acabou realizando o aplaudido “O Lutador” (“The Wrestler”). Dois anos depois, atuando agora como produtor executivo, ajuda a realizar outra obra memorável sobre o universo distorcido e conturbado daqueles que ganham a vida indo de encontro aos punhos do adversário, neste caso, novamente, “O Vencedor”.
O mais interessante é notar como ele, Aronofsky, aparentemente pouco influenciou no estilo cinematográfico do filme, que acaba sendo único em sua essência, carregado de personalidade própria. Os méritos vão então para o diretor David O. Russell, já conhecido por fitas de qualidade como “Os Três Reis” e "Huckabees - A Vida é Uma Comédia”.
Há três anos, “O Vencedor” seria dirigido por Darren Aronofsky. Isso não rolou, e em 2008 ele acabou realizando o aplaudido “O Lutador” (“The Wrestler”). Dois anos depois, atuando agora como produtor executivo, ajuda a realizar outra obra memorável sobre o universo distorcido e conturbado daqueles que ganham a vida indo de encontro aos punhos do adversário, neste caso, novamente, “O Vencedor”.
O mais interessante é notar como ele, Aronofsky, aparentemente pouco influenciou no estilo cinematográfico do filme, que acaba sendo único em sua essência, carregado de personalidade própria. Os méritos vão então para o diretor David O. Russell, já conhecido por fitas de qualidade como “Os Três Reis” e "Huckabees - A Vida é Uma Comédia”.
Planejado de forma meticulosa, o foco principal de “O Vencedor” são os personagens, todos pluridimensionais. Temos tantas camadas e elementos que realmente fica difícil descrever tudo em poucas palavras: uma mãe que só quer o bem estar dos filhos, mas que não enxerga muito mais do que o próprio umbigo; um irmão perdido no mundo, encontrando motivos para seguir adiante na falta de julgamento de suas atitudes; um lutador que nunca teve nada na vida, mas assim como muitos, nunca teve o momento certo para aproveitar as oportunidades.
O roteiro de Scott Silver, Paul Tamasy e Eric Johnson é simplesmente cativante, reproduzindo uma história real de forma inspiradora. Está tudo lá, humor ácido, pungente e dramaticidade sabiamente realista. Toda cena e diálogo têm seu propósito, como deve exatamente ser. Em alguns momentos o texto pode parecer escapar da realidade, talvez para no final não se transformar em um drama comum, mas a maturidade do contexto realmente mostra comprometimento com o projeto, inspiração.
Na verdade, comprometimento parece ser a palavra chave aqui, e vem de todos os lados. Christian Bale sem sombra de dúvida é o que mais chama atenção com seu Dicky Eklund. Sua gana de vitória é sensacional, sua tristeza camuflada com risadas nervosas acompanhadas dos tremores de sua dependência, de seu vício pelo crack, intensifica o clima. Bale definha perante as câmeras, e para nós só resta aplaudir uma interpretação tão inspirada. Neste ano, todos os prêmios são na conta dele.
Mark Wahlberg não é um mestre da interpretação, mas parece ter encontrado seu alter ego perfeito. Com um histórico criminal já famoso, envolvendo agressão, o ator parece enxergar em Micky Ward a medida exata dos valores que constroem um homem de verdade, de um pai que busca o melhor para a filha, de um filho que busca manter contato com o irmão debilitado e a mãe de personalidade problemática, mas, principalmente, de um cara qualquer que busca sair da pior e ver uma luz no fim do túnel em determinada altura da vida.
E no comando da bagunça, com uma beleza estranhamente chamativa, Melissa Leo personifica a matriarca da família, Alice Ward, uma verdadeira perua de fibra que pensa ter um grande coração, mas não percebe que esmaga a todos dentro dele. A atriz Amy Adams se revela acima da média. Depois de um bom papel em “Dúvida”, ela tem a chance de provar que não é só um rosto bonitinho. Sua Charlene Fleming é concisa e muito bem guiada. Sua arrogância latente só é superada pelo fato dela sempre estar certa. Um temperamento explosivo e sem papas na língua.
O que falar do time coadjuvante? Das irmãs de Micky Ward, que mais parecem uma gangue de saias? Simplesmente realidade, convencendo mais do que uma mera atuação. Toda a produção artística do filme também é sensacional. Enquanto muitos apontam seus olhos para o “mais”, em “O Vencedor” menos se transforma em mais, deixando apenas o puro realismo. Mulheres com aparências desmazeladas, suadas pelo trabalho cansativo, nada de cabelos penteados ao acordar. Os cenários parecem montados com precisão, e tudo isso para passarmos despercebidos por eles. A crueza de “O Vencedor” talvez seja seu maior diferencial, pois aposta em um ponto fundamental: a credibilidade total de uma representação.
A história de “O Vencedor” é real. Os irmãos existem e foram bem retratados. Isso pode parecer facilitar as coisas, mas é exatamente o contrário, devido aos interesses e responsabilidades envolvidas, é preciso respeito e dedicação, fato que mostra a qualidade de David O. Russel. Sua eficiência aparece em escolhas inteligentes e inovadoras, como as câmeras diferenciadas nas grandes lutas de Micky, ou na execução de suas cenas, valorizando sempre a interpretação, e, consequentemente, escondendo um pouco de seu jogo. Uma verdadeira doação.
Creio que “O Vencedor” acabe saindo derrotado na disputa do Oscar, mas com certeza perderá na contagem de pontos. Perderá nos pequenos detalhes, que ao mesmo tempo fazem dele um filme diferente de todos os outros. Um filme de redenção precisa de seus heróis castigados, e só pelo reconhecimento da mídia e da toda poderosa Hollywood, a obra já tem sua vitória moral.
O Vencedor/ The Fighter: Estados Unidos/ 2010/ 116 min/ Direção: David O. Russel/ Elenco: Mark Wahlberg, Christian Bale, Amy Adams, Melissa Leo, Jack McGee