Círculo de Fogo (Pacific Rim)

Com "Círculo de Fogo", Guillermo del Toro constrói sua primeira obra-prima geek.

É sempre difícil superar expectativas estratosféricas de fãs, na verdade, diante de tanto alarde, fica quase impossível. O filme "Círculo de Fogo", novo trabalho do diretor mexicano Guillermo del Toro, foi um grande exemplo do que é capaz o markenting viral ensandecido dos geeks de hoje, que consomem e disseminam seus produtos de interesse de maneira natural, criando assim um hype extremo, muitas vezes imbatível.

Tá certo, estamos falando de robôs e monstros gigantes usando uma cidade inteira como arena, e não gerar expectativas em cima disso parece impossível, mas o fenômeno midiático visto na divulgação deste filme já é um primeiro elemento que deveria ser analisado friamente por estudiosos da área, pois ele exemplifica que o alcance de Hollywood já não se limita aos meios de comunicação. Hoje essa propagação da informação se dá praticamente por osmose. Mas deixemos essa conversa para um outro dia, pois aqui analisaremos o filme, que não superou as expectativas, mas fez jus à elas.

Aqueles que conhecem a carreira de Guillermo del Toro sabem que o cara não só possui uma linguagem diferenciada, mas sim uma personalidade moldada por dezenas de influências maneiras. Alguns nunca viram os excepcionais "Cronos" e "A Espinha do Diabo", mas com certeza já se divertiram com a franquia "Hellboy" e o magnífico "O Labirinto do Fauno". Estes filmes exemplificam bem o universo fantástico que serve de habitat para o diretor, universo este povoado por monstros de H.P. Lovecraft, que perambulam por entre centenas de histórias em quadrinhos (ele é um colecionador inveterado). Existe ali também um forte espírito cinematográfico desbravador, que busca sempre honrar o passado, mas olhando corajosamente para o futuro.



Sendo assim, del Toro resolveu inserir mais um conjunto de influências em sua (já) mítica carreira: as culturas Mecha e Kaiju, ambas consumidas com voracidade pelo público oriental - e obviamente por milhares de fãs ocidentais. Resumidamente, o termo Mecha fala sobre robôs gigantes pilotados por homens, e Kaiju sobre criaturas enormes que destroem cidades - algo que instantaneamente nos traz à mente a imagem do monstro Godzilla. No entanto, os elementos que fazem de "Círculo de Fogo" um autêntico tokusatsu também podem ser vistos em animes como "Evangelion", "Gundam", e em séries como "Ultraseven" (que depois se tornaria "Ultraman") e até mesmo no famoso Super Sentai adaptado para os EUA, "Power Rangers".

O roteiro então cria uma motivação simplista para justificar a ação, mas elabora com perfeição todo o universo ao redor. Na trama, o planeta Terra é atacado por criaturas de outra dimensão, que emergem de uma fenda no fundo do Oceano Pacífico. Depois de anos de devastação e milhares de mortes, a raça humana cria seus próprios monstros para enfrentar esta ameaça: os Jaegers, massivos robôs de guerra controlados por meio de uma conexão neural entre dois pilotos. Quanto maior a conexão, melhor será o combate do Jaeger. 

Como foi dito logo acima, o grande mérito de "Círculo de Fogo" é a sólida construção desta realidade em que, monstros e robôs gigantes são apenas peças de um novo cotidiano. Guillermo del Toro vence pelo detalhismo, pela meticulosa criação sócio-cultural de passado e presente do evento, que é enfatizada pela cobertura da mídia, pela fama de rockstars dos pilotos dos Jaegers, pela publicidade, que explora o lado "cool" de ser destruído por um monstro maneiríssimo, pelas doenças provenientes do sangue dos Kaijus (kaiju blue) e o uso medicinal (e ilegal) dos restos mortais dos mesmos... e por aí vai. Tudo isso alicerça a forte base que sustenta tranquilamente os absurdos narrativos da história. Ou seja, del Toro traz, com requintes de genialidade, esta cultura oriental para novas audiências, a moldando em algo diferente, universal.



O filme abraça fortemente todo o sentimento de integridade moral e honradez comuns à obras nipônicas, que podem parecer forçadas para alguns, mas que dentro de todos os conceitos adaptados (e aqui já discutidos), se encaixam perfeitamente. Entre a destruição de uma cidade ou outra, vemos as relações dos homens e mulheres por trás da luta contra os Kaijus, histórias de perdas e dor, de busca por respostas. Militares já não são um exército, são uma resistência. 

Este novo tipo de guerra, que sugere uma aniquilação eminente, faz da raça humana uma espécie mais altruísta. O roteiro, escrito por Travis Beacham e del Toro, se preocupa em inserir, de maneira relevante, diversas nacionalidades no enredo, fazendo deste embate um acontecimento verdadeiramente global, fugindo do padrão "menção honrosa a outros países" que alguns filmes catástrofe por vezes adotam.



E diante de um conceito narrativo elaborado, temos uma criteriosidade técnica invejável. Os efeitos digitais de "Círculo de Fogo" são simplesmente embasbacantes, uma veracidade altamente orgânica, que nos faz esquecer que aquilo não é real - o 3D torna a experiência ainda mais imersiva. Só que como eu disse antes, del Toro é da velha guarda, e exige fazer do analógico uma característica sempre presente. 

Vemos então estruturas incríveis, cenários que interagem com seus atores e que favorecem suas interpretações - a cabeça do Jaeger é um enorme set que realmente tortura pessoas. O trabalho de arte e cenografia são igualmente surpreendentes, assim como a elaboração das sequências de ação e a movimentação arrasadora de câmera. O andamento da obra se mantém no compasso na maior parte do tempo, e a trilha sonora de Ramin Djawadi (de "Game of Thrones") é uma das mais épicas que ouvi nos últimos anos. Um trabalho genial, que joga nas alturas a adrenalina e testosterona da audiência.



O elenco tem como sua pedra fundamental o trabalho visceral de Idris Elba, que dá vida ao líder Stacker Pentecost - personagem que já entrou para história com uma das melhores/piores frases do cinema, "Today we are cancelling the apocalypse". Enquanto Charlie Hunnam e Rinko Kikuchi não conseguem atingir o máximo do que são capazes com os protagonistas Raleigh e Mako (pilotos do Jaeger atômico Gipsy Danger), a dupla Charlie Day e Burn Gorma roubam a cena como o amalucados doutores Newton Geiszler e Gottlieb, que unidos ao sempre canastrão Ron Perlman (aqui interpretando o meliante Hannibal Chau), formam um consistente núcleo humorístico dentro da trama. Com menos destaque temos Clifton Collins Jr., como o agente operacional boa praça Tendo Choi.

Em resumo: "Círculo de Fogo" é o blockbuster do ano, um filme para se assistir obrigatoriamente nos cinemas, uma obra-prima geek. Guillermo del Toro conseguiu vencer o hype dos fãs e entregou uma fita consistente, imensamente divertida de se ver. Para isso, ele redimensionou as temáticas Kaiju e Mecha, dando mais profundidade a estes universos, fazendo com que os mesmos se tornassem, ironicamente, mais realistas. Por fim, o diretor demonstrou mais uma vez toda sua qualidade técnica, ofertando uma linguagem visual única, e intensificando sua busca pela narrativa perfeita. 

É justo dizer que existem sim problemas, alguns exageros, uma certa demora dos pilotos da Gipsy Danger em usar uma bendita espada... e por aí vai. Mas este é um filme que dá suporte a suas próprias falhas, é algo cult, contemporâneo e vintage ao mesmo tempo, é Hollywood falando honestamente sobre cultura pop oriental. É algo legal pra cacete!

PS: Para os fãs de games, GLaDOS está presente.








Círculo de Fogo/ Pacific RimEUA/ 2013/ 131 min/ Direção: Guillermo del ToroElenco: Charlie Hunnam, Diego Klattenhoff, Idris Elba, Rinko Kikuchi, Charlie Day, Burn Gorman, Max MArtini, Robert Kazinsky, Clifton Collins Jr., Ron Perlman

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