O filme de George Tillman Jr. surpreende. Tendo a participação de diversos amigos - ou melhor dizendo, escudeiros - que dividiram o palco com Biggie, ficaria difícil a realidade não saltar a tela. A produção pode parecer "limpinha" demais em alguns momentos, tudo muito arrumado, mas isso é resultado da tentativa de se empregar um espírito soul/funk na fita, puxando tudo para as cores e tons mais vivos. Estes elementos clássicos da música negra, que o rapper utilizou em suas composições meio que a contragosto, foram no final o diferencial para seu sucesso. Muito sucesso mesmo.
A mão do diretor em alguns momentos se mostra ligeiramente limitada, e mantém uma linha neutra, talvez para viabilizar a informação para aqueles que não conhecem nada da história... o que é normal. Mas é no roteiro de Reggie Rock Bythewood e Cheo Hodari Coker que tudo ganha força. Passando pela infância e juventude do cantor, toda sua identidade é composta de forma instigante: a iniciação no crime, suas importantes amizades, e o momento em que ele decide sair das ruas e apostar na carreira de cantor – lembrando que Christopher George Latore Wallace (nome verdadeiro) morreu com apenas 24 anos de idade.
Uma das críticas mais certeiras do filme foi com o papel da mídia em torno dos atritos que viriam a surgir entre Tupac e Biggie, sendo ela, a própria mídia, uma das principais influências na morte dos dois rappers. Rodeada por muita confusão, a história dos dois amigos, que trocavam improvisos constantemente em festas, é realmente triste, levando em conta o talento e expressão deles.
O time de atores é muito competente. O universo real está bem inserido no filme, e seus atores são a maior prova disso. Jamal Woolard, que interpreta Christopher 'Biggie' Wallace, é praticamente um clone do cantor. É possível perceber que Jamal entende perfeitamente o cantor. A mesma linha é seguida pela a maioria dos coadjuvantes, como o excelente Marc John Jefferies, também um clone do pequenino amigo Lil Cease. Derek Luke convence como Sean 'Puffy' Combs e Anthony Mackie dá vida a Tupac Shakur, a lenda da Costa Oeste, sendo bem sucedido ao reproduzir a loucura e paranoia do mítico astro.
Já no time das mulheres temos a lindíssima e muito talentosa Naturi Naughton, interpretando a cantora Lil Kim. Kim foi amante e parceira de Biggie por muitos anos, sendo que o cantor se tornou seu produtor musical, mas nunca foi mais que isso. Muita raiva aflora quando a também cantora Faith Evans dá as caras e Biggie se casa com ela. Evans é interpretada por Antonique Smith, que manda bem no vocal. E fechando temos a experiente Angela Bassett como a mãe de Biggie, Voletta Wallace, trazendo assim mais moral para o longa.
Outro elemento positivo da produção foi o realismo dedicado aos shows do cantor. Nos extras podemos conferir a anatomia de cada apresentação de Biggie. A semelhança dos shows reais com os do filme é incrível, mesmo com uma bagunça de quase 20 caras avulsos em cima do palco. Todos os atores cantam e desempenham muito bem a função. Isso dá mais vibração as performances, que são filmadas praticamente sem cortes. Essa preocupação com os detalhes só fortalece o intuito de contar as coisas como elas realmente aconteceram.
No final, Notorious B.I.G: Nenhum Sonho é Grande Demais é um filme recomendado não só para os fãs do gênero, mas para os amantes da boa música, aquela feita com a alma. Biggie foi um cara excepcional. Teve uma vida conturbada e superou as adversidades impondo respeito com seu talento. Morreu jovem em Los Angeles, numa viagem que fez para promover seu novo disco e tentar por um fim na guerra imposta entre leste e oeste. Mas o suposto "acerto de contas" foi executado e duas das maiores vozes do rap se calaram. Seu disco, que estava pronto, saiu como Life After Death e vendeu milhões de cópias. É considerado um dos melhores discos do gênero. Esta é uma história que merece ser contada e lembrada.