O diretor Shane Carruth oferece uma visão singular do absurdo.
"Upstream Color" é uma fita impossível de ser classificada em um gênero específico. Aparentemente, vemos a maior parte da trama dominada pelo drama pesado. Um suspense meio mórbido também se faz presente. Até mesmo uma racionalização Sci-Fi está inserida no fantástico roteiro. E no final, se afastando da seriedade impressa no rosto dos personagens, tudo soa ligeiramente cômico, por ser absurdo e estranho demais.
Estas características dissonantes fazem com que nenhum gênero represente ou mesmo descreva acertadamente a experiência de se assistir o filme, e isso por si só já é um fator interessante. No final, "Upstream Color" é algo sensorial, único, surreal e, acima de tudo, inesquecível.
A história acompanha um casal que acaba de se conhecer. Ambos dividem inquietações semelhantes, parecem disfuncionais e confusos. Na verdade, os dois tiveram suas vidas transformadas do dia para noite, só que não por acaso: eles são guinea pigs, cobaias de um experimento que usa uma substância azulada - encontrada em um verme meticulosamente criado -, que gera um forte elo psíquico entre seres vivos. Uma conexão profunda. Alguns jovens usam uma versão mais leve da "droga" para se divertir em duplas, dançando e fazendo brincadeiras sincronizadas.
Este é um resumo que arranha a superfície do que realmente é "Upstream Color".
A direção meticulosa de Shane Carruth (do também exemplar "Primer") é o grande trunfo de um emaranhado de qualidades que formam o longa. O cineasta americano, que também atua na fita, consegue apresentar sua trama existencial, sobre perdas e superações, de maneira completamente distinta de qualquer outra coisa que já tenha sido feita. Uma voz singular, de narrativa genial, que não oferece obviedade em momento algum.
No entanto, o mais impressionante da obra é sua durabilidade no inconsciente de quem a vê. O diretor força a capacidade cognitiva da audiência ao máximo com seus puzzles, fazendo com que tudo permaneça na memória durante dias (simplesmente não sai da cabeça). Neste período, soluções vão se amarrando, mas como em todo bom filme estranho, não existe uma resposta exata, fica a cargo de cada um estipular uma concepção final.
Um excelente trabalho de fotografia faz de cada cena uma belíssimo retrato, por vezes claro e apaziguador, por vezes escuro e sufocante. Outro recurso, que potencializa uma imersão quase mórbida, é a trilha sonora, também composta pelo diretor. Ela é, em essência, formada por longos e melancólicos acordes de teclado. Um clima eletrônico denso que não cessa quase nunca. É com ele que mergulhamos nos sentimentos dos personagens, entendendo claramente que a confusão dos mesmos, é também a nossa. Um trabalho primoroso.
Junto a isso, temos uma carismática dupla de protagonistas, formada pela bela e sensual Amy Seimetz (que interpreta Kris), e como já havia citado, o diretor Shane Carruth (como Jeff). Ambos conseguem conquistar totalmente a atenção do público, sendo o destaque a estranheza meio ausente de sentimentos de Carruth.
Em resumo: "Upstream Color" parece algo de outro mundo. A direção é impecável, assim como suas atuações e trilha sonora. Tudo funciona organicamente, e o resultado é hipnotizante. Ele não é fácil, pois não explora as dinâmicas que um filme comum explora. Não existe um sentimento concreto de satisfação quando você termina de assistir a obra, pois sua intenção é trabalhar perspectivas bem mais complexas do que isso. Ou seja, para aqueles que adoram filmes estranhos, este é mais que recomendado.
Upstream Color: EUA/ 2013/ 96 min/ Direção: Shane Carruth/ Elenco: Amy Seimetz, Shane Carruth, Andrew Sensenig, Thiago Martins, Myles McGee, Frank Mosley