O Nirvana foi a última "maior banda de rock do mundo". Kurt Cobain foi o último grande rockstar, pelo menos o último autêntico, daqueles que surgem como uma resposta natural da sociedade, ou uma ofensa. O cantor e compositor americano se matou aos 27 anos de idade, no auge do sucesso – foi consumido por tudo aquilo que a palavra autêntico representava. O documentário Kurt Cobain: Montage of Heck se propõe a contar a versão autorizada da vida de Kurt, que não foi longa, mas foi suficiente para transformá-lo numa espécie de herói utópico.
Por ser uma história relativamente recente, o material disponível para a produção do filme foi enorme, e o diretor Brett Morgen soube utilizá-lo muito bem. "Montage of Heck", por exemplo, foi o título dado por Kurt a uma fita cassete editada por ele mesmo, uma compilação poética de dissonâncias e palavras arrastadas. Muito material escrito pelo compositor também está presente, como rascunhos originais de canções famosas e esquecidas, pensamentos aleatórios e desabafos suicidas. A edição do documentário é incrível e a trilha sonora dispensa comentários. A união destes fatores constrói então um instigante mural de informações secretas, rasuradas e ornamentadas por desenhos estranhos. Uma verdadeira ode ao espírito jovem do artista, algo cult e pulsante.
Kurt foi o primeiro filho, e por isso ele meio que unificou as famílias de seus pais quando nasceu. A criança era o centro das atenções, literalmente um anjinho de olhos azuis. O registro dele (vídeos e fotos) nesta idade foi extenso. No entanto, conforme envelheceu, seu comportamento começou a desagradar, foi taxado como hiperativo, e seguindo prescrições médicas, aos sete anos começou a tomar Ritalina, substância estruturalmente relacionada com anfetaminas.
A separação dos pais foi o estopim para um comportamento mais destrutivo na adolescência. Ele saiu de casa, vagou sem rumo durante um tempo, isso depois de ter sido renegado por praticamente todos da família. Este período mais obscuro da vida do músico quase não possui imagens, e para suprir esta falta, o documentário opta, inteligentemente, por uma animação estilizada, e o resultado é excelente. Estas cenas cartunescas são narradas por palavras do próprio cantor, e explicam alguns momentos problemáticos de sua juventude. Desde cedo ele já pensava no suicídio como uma alternativa de escapar da alienação do mundo.
Montage of Heck apresenta alguns momentos importantes do Nirvana, como o show da banda no Brasil e os bastidores da capa do Nevermind. Porém, o enfoque fica mesmo na personalidade do cantor. São suas contradições os fatores realmente esmiuçados. Entrevistas antigas e recentes, de parentes e amigos, corroboram e ajudam a moldar um quadro geral, mas são os arquivos e textos de Kurt que enfaticamente dizem algo relevante.
Um dos momentos de maior interação de Kurt com as câmeras se deu num período de exílio, em que, junto com a esposa Courtney Love, se afundou no consumo de heroína. Os dois protagonizam cenas deprimentes, decadentes, com Kurt cheio de escaras e magro como um zumbi. Em certo momento Courtney chacoalha sua filha de um lado para o outro de maneira irritante. Os jornais da época insistiam que Frances Bean Cobain havia nascido viciada em heroína. Foi uma gravidez conturbada, e depois disso veio o In Utero.
No final, Montage of Heck é uma análise quase subjetiva das inspirações e maldições que moveram Kurt Cobain. Ao que parece, o cantor era uma contradição ambulante. Foi merecedor do sucesso, mas nunca esteve pronto para o mesmo. Provavelmente almejava a fama, quase como uma obrigação, mas em suas entranhas, simplesmente repudiava todo o estardalhaço. Ele perdeu o prazer pela música, seu comportamento não era mais autêntico. O vício estava fazendo dele um grande alvo da mídia sensacionalista, e ele odiava ser humilhado. Recomendado.
Kurt Cobain: Montage of Heck: EUA/ 2015 / 145 min/ Direção: Brett Morgen/ Elenco: Kurt Cobain, Don Cobain, Kim Cobain, Jenny Cobain, Courtney Love, Krist Novoselic, Tracey Marander, Wendy O'Connor, Frances Bean Cobain, Pat Smear