Sempre rodeado pela fantasia, Peter Jackson é um diretor dedicado com seus filmes e podemos perceber isso pelo carinho e atenção destinados aos acabamentos e detalhes de suas obras. Adaptando o livro “Uma Vida Interrompida – Memórias de um Anjo Assassinado”, de Alice Sebold, o diretor congrega uma beleza ímpar a certa tristeza intrínseca por se tratar de um tema delicado: a morte de uma garota de apenas 14 anos.
A história começa com o relato envolvente da vida de Susie Salmon. Sua família, os amigos, os prazeres e os amores. Sua personalidade é explanada em poucas cenas contundentes. Logo neste início, ela já anuncia que foi assassinada. Abalados com o desaparecimento da filha, os pais de Susie caem em um poço de dificuldades. Perdidos em meio a tristeza, cada um deles tenta lidar com a dor da maneira que lhes convêm. A mãe foge do fato. Já o pai busca justiça para esta morte.
Enquanto os vivos tentam seguir seus caminhos, a pequena Susie desperta em seu paraíso transitório, um local lindíssimo, aparentemente o céu que todos almejam para si. Lá ela conhece Holly, garota doce que será sua companheira neste novo mundo onde seus sonhos mais loucos se realizam. Mas nem tudo são flores neste universo metafísico onde a garota se encontra. Pesadelos de seu assassinato são constantes e a dor de seus familiares é sentida por ela. Sua presença na terra, ao lado do pai, será fundamental para que o culpado deste terrível crime seja revelado.
Visualmente, como era de se esperar, este novo trabalho de Jackson é deslumbrante. A riqueza de elementos com que “o Paraíso” nos é descrito com certeza se destaca na produção. Montanhas que deslizam sem peso algum, folhagem de árvore feita de pássaros. Toda uma realidade criada de forma inspirada, lembrando o também muito o belo “Amor Além da Vida”. Competente também na direção, Jackson parece seguir os passos de diretores consagrados pelo público, como Spielberg, dando prioridade a suas cenas bem desenhadas, abusando das viagens de câmera, mas ao mesmo tempo utilizando-se de ângulos inusitados, remanescentes de seu cinema de guerrilha, como “Fome Animal”.
Logo no início, em uma das melhores sequências do longa, o diretor já mostra seu bom gosto nas escolhas. Susie está apavorada, pois seu irmão mais novo precisa ser levado para o hospital e seus pais não estão em casa. Ela então não pensa duas vezes. Tira o pano pesado de cima do lindo mustang intocável de seu pai e sai a milhões por hora pela avenida. Cena belíssima, trilha sonora de um rock n‘roll irresistível. Um bom começo!
Mas nem tudo é perfeito no mundo de Jackson. Um dos problemas, herdados de sua trilogia épica de “O Senhor dos Anéis”, é toda a contemplação em demasia em volta de certos elementos e cenas. Em um português mais direto, é muita babação. Nos filmes dos hobbits, este artifício se encaixava como uma luva para os momentos de tensão, mas parece que Jackson pretende fazer disso uma marca, usando-a sem pudores em sua nova obra, atravancando assim, em alguns momentos, uma fluidez mais orgânica do filme.
O time de atores é bem divido. A garota Susie é interpretada pela revelação Saoirse Ronan, atriz que tem no currículo sua ótima interpretação em “Desejo e Reparação”. Como esta garota morta, a jovem atriz se saiu muito bem devido ao seu grande carisma. A personagem está, principalmente, atordoada diante desta nova concepção de realidade. A tristeza dela realmente comove, tendo em vista as infinitas possibilidades que a vida lhe proporcionaria. Outro ator que se destaca na produção é Stanley Tucci, interpretando o vizinho esquisitão George Harvey. Tucci, que está concorrendo ao Oscar de ator coadjuvante com este papel, costumeiramente segue o caminho da comédia, com papéis sempre muito engraçados. Neste caso, as coisas mudaram da água para o vinho. Muito mais denso, o ator conseguiu surpreender com um personagem digno de ser lembrado. Com os cabelos loiros e lentes de contato azul, Tucci está irreconhecível.
Já o núcleo familiar dos Salmon se sai de forma precária. A lidíssima Rachel Weisz está inexpressiva e irrelevante como a mãe Abigail Salmon. Mark Wahlberg tenta, mas, apesar do esforço, ele não convence muito com o pai dedicado Jack. Ele tem bons momentos, mas no geral sua empatia não é suficiente para conquistar o público. Já Susan Sarandon chama atenção como a avó Lynn. Muito engraçada, a estrela parece estar atuando em outro filme na ocasião, mas isso não a deixa deslocada, muito pelo contrário, acaba destacando seu desempenho.
O interessante de “Um Olhar do Paraíso” é que ele traz um tema, de certa forma, incômodo: a morte. Com grande embasamento Espírita, religião fortemente difundida no Brasil, Jackson abre a discussão para aqueles que temem ou mesmo se sentem atraídos com o mistério daquela que é, como diria Raul Seixas, “o segredo desta vida”. Tentando passar de forma positiva esta transição, a beleza triste por trás dos fatos apresentados traz aquele nó na garganta pelo qual muitas vezes somos acometidos.
Com diversos elementos sutis, o filme, como já foi dito, é pensado nos mínimos detalhes, e esse é um de seus pontos mais positivos. Mimos para os fãs de Jackson estão em cena também, como um pôster de certa obra, com o nome Tolkien em letras garrafais. O próprio Jackson dá uma de figurante e aparece em cena. Procure por ele com uma câmera na mão. Bem sugestivo.
“Um Olhar do Paraíso” é um filme que agrada pela beleza utilizada para explorar o tema. Sem medo de abordar a morte como algo duro, o longa chama a atenção na criatividade das cenas. Decepciona em certos pontos, principalmente na atuação de parte do elenco, mas no geral é uma ótima opção de entretenimento. Uma opção para assistir com a família.
Um Olhar do Paraíso/ The Lovely Bones: Estados Unidos, Inglaterra, Nova Zelândia/ 2009/ 135 min/ Direção: Peter Jackson/ Elenco: Mark Wahlberg, Rachel Weisz, Susan Sarandon, Stanley Tucci, Saoirse Ronan, Rose McIver, Michael Imperioli