Spike Jonze é um ótimo diretor e provou isso com seus dois trabalhos: o inusitado “Quero ser John Malkovich” e o excelente “Adaptação”, ambos os roteiros do cultuado Charlie Kaufman. Em “Onde Vivem os Monstros”, o diretor optou por trazer a temática “infância” para o crivo dos adultos, o que é sempre uma missão difícil. Apesar de ter total cooperação de Maurice Sendak – autor da celebrada obra original “Where The Wild Things Are” e que também produziu o filme –, Jonze enfrentou diversos problemas na finalização da obra, entre eles o orçamento apertado e a recepção fria dos estúdios, o que acarretou refilmagens e adiamentos inevitáveis.
O diretor realmente foi corajoso na forma em que abordou o tema de Sendak, transportando esta visão infantil para o mundo dos adultos. A história começa nos apresentando o pequeno Max, garoto aparentemente normal que tem dificuldades de lidar com os problemas de sua vida, principalmente relacionados ao convívio com sua família. Certo dia, após uma briga em casa com sua mãe, Max foge. Ele sobe em um barco e vai para um outro mundo, povoado por estranhos seres (os monstros em questão), com quem acaba se relacionando e criando um forte vínculo, chegando a se nomear rei daquele grupo bizarro.
Mas, assim como na vida real, o garoto tem que lidar com os problemas que viriam a surgir entre seus novos amigos. Problemas esses bem parecidos com aqueles que ele mesmo passava estando junto a sua família. É então que, vivenciado esses sentimentos a seu modo, ele poderá compreender o quão difícil é vida, e como quase sempre maltratamos aqueles que estão ao nosso lado, talvez por serem os únicos que nos entendam e que conseguem nos perdoar.
Tecnicamente falando, “Onde Vivem os Monstros” é um filme belíssimo. Jonze tem um extenso currículo dirigindo videoclipes de bandas, como Weezer, R.E.M. e Björk, e traz para o filme todo o ritmo dessa linguagem, o que pode desagradar alguns. Mas é impossível não se entusiasmar com as belas sequências acompanhadas pela trilha sonora organicamente criada para o filme por ninguém menos que Karen e Carter Burwell.
Mesclando uma vestimenta enorme e efeitos de computação gráfica, os monstros ganharam vida de forma incrível, um realismo que foi requisito fundamental para o diretor. E contrastando a essa riqueza de detalhes de seus personagens, as locações são simples, como deveriam ser, o que aumenta o mérito de Jonze na captação de belas cenas. Utilizando a steady cam adequadamente, o direto correu atrás de seus personagens, pulou e caiu.
Já o roteiro tem seus problemas. Perdendo o ritmo após o primeiro encontro com os monstros, o filme leva um tempo para se reencontrar. Por mais prazerosas que fossem as cenas entre os monstros e o garoto, o andamento foi visivelmente abalado, com certeza pelas inúmeras modificações impostas ao diretor. Mas é quando o clima começa a ficar tenso entre os personagens que o filme engrena novamente, sendo perfeito em sua etapa final.
O ator mirim Max Records dá vida ao inventivo Max. Sendo sua primeira participação de destaque em um longa metragem, o jovem se sai muito bem incorporando este pequeno sonhador diferentemente criativo e cheio de problemas em sua mente. Seu carisma é grande e sua sinceridade com o personagem é excelente.
Catherine Keener faz uma rápida participação como a mãe de Max (nenhum nome é citado). É a segunda parceria de Kenner com Jonze, a primeira foi sua descabeçada Maxine Lund em “Quero ser John Malkovich”. Mais rápida ainda é a passagem de Mark Ruffalo como o namorado intruso, também sem nome.
A maioria dos atores do filme segue a nova onda do cinema: não mostrar o rosto (real) em nenhum momento. Começando por Carol, interpretado por Paul Gandolfini, o famoso Tony Soprano da série “Família Soprano”. Carol é o líder do grupo que ninguém elegeu. É o mais forte e de longe o mais temperamental. Suas idas e vindas de humor são dignas de um bipolar, e Gandolfini é o ator perfeito para expressar toda a raiva de que o monstro é capaz de sentir.
Interpretando a quieta e adorável KW temos Lauren Ambrose, atriz que também despontou lá nas Américas na excelente série “A Sete Palmos”. Ela interpreta esta personagem amável, que tem uma forte ligação com Carol, fazendo assim um paralelo com Max e sua irmã Claire, que vivem em atrito. KW é retraída, mas muito amorosa. Ela simplesmente não consegue lidar com o temperamento de Carol.
Temos ainda Paul Dano interpretando o frágil (e cara de bode) Alexandre. Forest Whitaker faz o tranquilo Ira, que é o par romântico da perturbada Judith, vivida por Catherine O’Hara. E finalizando temos o excelente Chris Cooper interpretando a ave do filme Douglas, o amigão de Carol. Cooper retoma a parceria com Jonze após seu inesquecível personagem Laroche de “Adaptação”. Com certeza um elenco de peso.
“Onde os Monstros Vivem” é um filme empolgante. Apesar de possuir alguns defeitos evidentes em sua primeira etapa, a obra traz uma mensagem inspiradora, que se analisarmos profundamente podemos perceber o quão difícil ela é de ser explanada, ainda mais usando o universo infantil como base. Mas Spike Jonze consegue um resultado muito positivo dividindo o filme, seus elementos e sentimentos em diferentes camadas que se unem no final. Para aqueles que leram o livro quando crianças (que não é meu caso), talvez o resultado seja mais refrescante ainda.
Onde Vivem os Monstros/ Where the Wild Things Are: Estados Unidos, Austrália, Alemanha / 2010/ 101 min/ Direção: Spike Jonze/ Elenco: Max Records, Catherine Keener, Steve Mouzakis, Mark Ruffalo, James Gandolfini, Paul Dano