O documentário "We Are Legion: The Story of the Hacktivists", do diretor e roteirista Brian Knappenberger, monta de maneira clara e profusa o trajeto percorrido pelo grupo "hacktivista" conhecido mundialmente como Anonymous. O longa conta com detalhes a origem de tudo, nos fazendo entender sua evolução, que foi de brincadeiras na rede (como inundar o game online Habbo Hotel com diversos personagens iguais, e formar suásticas aleatórias enquanto bloqueavam a piscina) até algo muito mais sério. Eles alicerçaram seus ideiais com o intuito primordial de defender a liberdade de expressão, acessibilidade e independência total da internet como meio de comunicação (sem forma alguma de censura). E ainda hoje, qualquer pessoa ou entidade que se opõe a estes preceitos, sofre com as consequências.
A legião Anonymous começou a se fundamentar em 2003, depois da criação do 4chan, um grande imageboard que simplesmente moldou a internet viral que conhecemos hoje. Memes, lolcats, pedobear... todos essas coisas insanas foram originalmente compartilhadas por lá - mais especificamente no sub-fórum "Random", conhecido como "/b/", em que a escassez de regras fazia da sala um local de ideias efervescentes, conexas, em muitos casos ofensivas, mas no geral expansivas.
Só que o grande diferencial do 4chan - que o distanciava das redes sociais comuns - era a tradição da postagem anônima. Toda mensagem vinha com o mesmo nickname: anonymous. Ou seja, diferentes pessoas dizendo coisas diferentes, só que semelhantes, e como se fossem uma pessoa só... sem distinção, sem julgamentos. Foi lá também que o trolling ganhou um significado bem mais amplo, não se confundindo com o desnecessário cyberbulling.
A obra do diretor Knappenberger amarra de maneira inteligente diversas entrevistas de estudiosos, entusiastas do tema, e personagens fundamentais do movimento - que se bifurca pela história em diferentes grupos, como os pioneiros do Projeto Chanology e os caóticos LulzSec. Mas o interessante mesmo é perceber como as intervenções do grupo, de uma hora para outra, se tornaram relevantes.
O marco inicial dos Anonymous foi a nobre missão de derrubar um programa de rádio americano que era racista e segregador (o radialista chegou a afirmar que Obama não era biologicamente apto a ser presidente). Os caras resolveram tornar a vida do sujeito um inferno, fazendo diversas compras em nome dele, enviando diariamente toneladas de pizzas na porta de sua casa, invadindo e-mails, congestionando as linha telefônica da emissora... tudo para destabilizar financeiramente o programa, o que aconteceu.
Em seguida, o grupo se sentiu na obrigação de confrontar a Igreja da Cientologia (surge o Projeto Chanology). O fato é que, um vídeo de Tom Cruise, produzido internamente pela igreja, acabou vazando, caindo então no YouTube - não é preciso nem comentar que o conteúdo foi ridicularizado com veemência pela galáxia inteira. Mas, de maneira sem precedentes, todos os links do vídeo foram retirados do ar, e todo novo link upado caia imediatamente. Os Anonymous consideraram isso uma forma de censurar a internet. Eles derrubaram as linhas telefônicas da igreja (de extrema importância), bagunçaram e-mails, e por fim, organizaram protestos ao redor do mundo, sendo o foco as cedes desta instituição que servia como nêmesis perfeito dos nerds de todo o mundo.
Foi durante estes protestos que os Anonymous se revelaram, de fato, uma legião. Os responsáveis pela orquestração da retaliação não esperavam o número de pessoas envolvidas. Foi algo imenso e visível. E foi também durante esta "exposição pública" que, de forma incrivelmente natural, veio à tona a mascará do personagem "V", da HQ "V de Vingança", criada por Alan Moore. Diante das ligações obvias com a obra, este se tornaria o simbolo perfeito para o grupo.
Foi durante estes protestos que os Anonymous se revelaram, de fato, uma legião. Os responsáveis pela orquestração da retaliação não esperavam o número de pessoas envolvidas. Foi algo imenso e visível. E foi também durante esta "exposição pública" que, de forma incrivelmente natural, veio à tona a mascará do personagem "V", da HQ "V de Vingança", criada por Alan Moore. Diante das ligações obvias com a obra, este se tornaria o simbolo perfeito para o grupo.
Surgi então o caso WikiLeaks, com Julian Assange mostrando ao mundo documentos secretos que revelavam que os EUA espionava seus aliados (havia muito mais lixo por debaixo daquele tapete). Mas até este ponto tudo corria sarcasticamente bem, a afronta foi uma vitória completa... inicialmente. Os problemas começaram quando a loja virtual Amazon, o PayPal, e os cartões de crédito MasterCard e Visa bloquearam as transferências financeiras do site, impedindo assim, por exemplo, doações... extremamente necessárias - na época era possível entrar em um site de vendas nazista ou da "KKK" e fazer compras e doações via Paypal, MasterCard e Visa. WTF.
E neste momento, nada seria mais digno do que democratizar o hacktvisimo através dos "Ion Cannons". Sendo uma referência ao game "Red Alert", o canhão era na verdade um software simples que qualquer um poderia usar seguindo as instruções. E após recrutar uma multidão de anônimos internet adentro, eles realizaram o ataque DDoS, que é invalidação do sistema devido a sobrecarga de usuários. Sites foram derrubados. E estes foram apenas alguns dos atos realizados mediante o tema "Vingança de Assange".
E neste momento, nada seria mais digno do que democratizar o hacktvisimo através dos "Ion Cannons". Sendo uma referência ao game "Red Alert", o canhão era na verdade um software simples que qualquer um poderia usar seguindo as instruções. E após recrutar uma multidão de anônimos internet adentro, eles realizaram o ataque DDoS, que é invalidação do sistema devido a sobrecarga de usuários. Sites foram derrubados. E estes foram apenas alguns dos atos realizados mediante o tema "Vingança de Assange".
Muitos fatos recentes que viraram notícia para o grande público não foram abordados no documentário, como o caso Sony/PSN, ou a invasão ao site do Departamento de Justiça dos Estados Unidos e do FBI - em que houve compartilhamento de arquivos -, uma resposta direta ao SOPA, ACTA e a operação que derrubou o Megaupload. Mas como foi dito, estas informações o mundo já conhece. E tudo isso aconteceu praticamente agora, o que com certeza complica a abordagem do tema. Mas foi devido a estes últimos ataques que, de fato, a mídia apresentou ao mundo a concepção dos Anonymous. Antes, apenas programas sensacionalistas da Fox haviam arranhado a superfície do tema.
No final, "We Are Legion: The Story of the Hacktivists" é um fidedigno documento sobre estes anti-heróis modernos. O diretor Knappenberger, com eficiência, nos mostrar o nascimento de um organismo vivo peculiar, que se move de maneira natural, sem comando e sem barreiras. A relevância do grupo em nossa sociedade é descomunal, e querendo ou não, ela nos faz crer que nem tudo está perdido por aí. Atrás dos poderes da internet (onipresente, onisciente e onipotente), existem pessoas inteligentes, questionadoras, que não se retraem diante das imposições da sociedade, que não se alienam buscando aceitação, muito pelo contrário, elas desafiam as regras "imorais", capitalistas, de censura, impõem seus valores, fazem da união uma arma inspiradora, e revelam que o conceito de certo e errado é algo, no mínimo, aberto à discussão.
PS: send me the cannon.
We Are Legion: The Story of the Hacktivists: EUA/ 2012/ 93 min/ Direção: Brian Knappenberger
PS: send me the cannon.
We Are Legion: The Story of the Hacktivists: EUA/ 2012/ 93 min/ Direção: Brian Knappenberger