Holy Motors

Se a vida é uma ilusão, em "Holy Motors" compreendemos como o truque funciona. Munido de um experimentalismo intenso - que passeia de maneira perturbadora pelo surrealismo -, o diretor Leos Carax oferece cinema em sua mais pura forma, e também a distorção dos sentimentos daqueles que esperam encontrar obviedade em sua obra. 

Tudo começa com o próprio Carax, recém desperto, encontrando em seu apartamento uma passagem especificamente moldada para ele, que culmina em um espetáculo ao qual nem todos parecem acordados o bastante para apreciar. 

Somos apresentados então a Oscar, e junto a ele iniciamos um dia de peregrinação. O fato é que o homem trabalha como um interprete incansável, que passeia por diferentes cenários, encorporando vidas paralelas que são encenadas em palcos extremamente complexos. E sendo assim, enquanto vive a vida dos outros, Oscar não vive sua própria. 

Do momento em que entra em sua limousine, conduzida pela cúmplice Céline, tudo o que lhe resta é seguir de cena em cena até o fim de seu dia, sempre descaraterizando a si mesmo com maquiagens pesadas, estranhas, verossímeis e aleatórias. Rodando pela bela cidade de Paris, sempre distante e intocável, o ator constrói seu destino se ligando ao destino dos outros.

Obviamente, o simbolismo da história transcende esta explicação inicial, que é descritiva e não analítica. Na verdade, Oscar vai muito além de apenas encorporar uma pessoa em um determinado lugar e horário. Este bizarro personagem surge como uma espécie de sentimento espectral, que existe para entreter ("se é que alguém ainda se interessa?!", como ele mesmo questiona) e assim manter as coisas dentro da tradicionalidade existencial desta realidade pitoresca. Ou seja, ele é importante, e confundi-lo com um espectro humano é praticamente uma ofensa. As coisas vão muito além disso.



Durante sua labuta, Oscar hora é um duble de ação para cenas de captura de movimento, hora se torna um mostro grotesco que invade uma sessão de fotos em um cemitério. Ele pode ser também um assassino, um moribundo, um pedinte... diferentes pessoas, em complexas realidades, dinâmicas, expostas, e sem nenhuma explicação premeditada. 

Tudo apenas é como é. 

E enquanto se transforma na limousine - trocando perucas, colocando lentes de contato, simulando cicatrizes grotescas -, Oscar tem tempo de ser quem diabos ele é. E de forma melancólica e cansada, segue adiante como se tudo fosse uma sentença ou um sonho estranho.

A direção de Leos Carax é uma mistura coesa de inovação com classicismo. Por diversos momentos ele opta por uma captura distante e imóvel, marca do cinema Europeu que gera uma intensidade caraterística. Em outras cenas, temos steadycam, closes expositivos e cheios de detalhes, algo bem próximo de um cinema mais popular. 

Sendo na maior parte do tempo silencioso, o longa utiliza esporadicamente a música ambiente. Ironicamente, em duas ocasiões especificas, Carax insere atos musicais fantásticos. Sua liberdade para criar tais elementos diferenciados se mostra admirável.


O visceral protagonista Oscar é interpretado por Denis Lavant, um antigo colaborador do diretor. Lavant faz, simplesmente, 10 papéis diferentes no filme, se despindo de maneira igualitária em todos os casos - algo brilhante de se acompanhar, e também angustiante, perturbador e poético. O restante do elenco ainda conta com algumas presenças inusitadas, como a belíssima Eva Mendes, a cantora britânica Kylie Minogue (que usa seus ótimos dotes vocais para o trabalho), e a veterana Edith Scob (como a motorista e fiel amiga Céline).

No final, "Holy Motors" é algo distinto, instigante e de qualidades inovadoras. É uma experiência que dificilmente será esquecida por seu público, tendo ele apreciado ou não. O filme discursa sobre o abandono da vida real, e ao mesmo tempo a exulta, como se tudo fosse uma ficção científica as avessas.

A fita reune momentos de uma vida inteira presenciados em apenas um dia, por apenas uma pessoa, que está ali para assumir e absorver a situação, emular o sentimento de forma humana, a ponto de confundir-se, entristecer-se e corromper-se. Ele busca obrigatoriamente entreter os interessados e capturar todo o drama, como se fosse parte de um grande motor sagrado que move os sentimentos de tudo e todos, buscando sempre aquilo que há de mais verdadeiro.























Holy Motors: França, Alemanha/ 2012/ 115 min/ Direção: Leos Carax/ Elenco: Denis Lavant, Edith Scob, Eva Mendes, Kylie Minogue, Michel Piccoli, Leos Carax

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