A importância de Bruce Lee definitivamente não pode ser medida, mas o documentário Eu Sou Bruce Lee chega muito perto de desvendar toda a influência que este mestre exerceu sobre o cenário das artes marciais e também do cinema.
A produção realizada em 2011 para TV foi conduzida por Pete McCormack, que já havia explorado a vida de outro icônico lutador de nossa história recente: o gigante dos ringues Muhammad Ali, na fita Facing Ali.
O grande mérito do diretor foi reunir de maneira organizada depoimentos importantíssimos, declarações que ajudam a moldar, de forma bastante compreensível, toda a personalidade e trajetória do eterno astro.
Entre os entrevistados estão a mulher e filha do ator, Linda Lee Cadwell e Shannon Lee respectivamente, alguns famosos lutadores do UFC - Jon Jones, Stephan Bonnar, Dana White (presidente do Ultimate Fighting Championship) e Gina Carano -, também celebridades como Ed O'Neill e Mickey Rourke, o jogador de basquete Kobe Bryant, e outros diversos especialistas e amigos do lendário lutador.
Todos estes, que se reúnem para falar de Lee, o fazem por uma única razão: veem nele um exemplo de vida, conduta e filosofia, uma influência importante que os ajudou a construir suas personalidades. E através da admiração de pessoas importantes, percebemos o valor de Bruce Lee.
A cronologia da vida e história de Lee é muito bem amarrada pelo inteligente roteiro não linear, passeando livremente por eventos que se conectam entre passado e futuro.
Entre os mais relevantes fatos, temos a prolífera e desconhecida carreira do mesmo como ator mirim, seus dilemas de nacionalidade (que transitavam entre sua terra natal, os EUA, e o local ao qual realmente pertencia, a China), sua luta para encontrar espaço dentro de uma cultura arcaica Hollywoodiana que não se abria a orientais, o relacionamento forte e duradouro com a esposa, os ensinamentos e maneira de encarar a vida, nunca se repetindo ou acomodando, sempre se adaptando.
O retorno aos EUA foi um importante período de transição para Lee. Lá ele ensinou sua arte para chineses, americanos, astros do cinema e lutadores consagrados. Em seguida, se iniciaram os papéis na TV, com Kato roubando a cena do Besouro Verde, e por aí vai. E quando as coisas pareciam estagnadas, ele mudava tudo. Ao retornar para China, percebeu que havia se tornado um herói local, e lá finalmente concretizou sua carreira como protagonista de longas metragens de fama mundial, com direito a todas as glórias e problemas gerados por ela.
Sua jornada como ator foi curtíssima, mas intensa. Deixou como legado sua participação na série Longstreet de 1971 (em que pela primeira vez tinha a autêntica oportunidade de "ser Bruce Lee") e seus cinco filmes: os chineses O Dragão Chinês (1971), A Fúria do Dragão (1972), O Vôo do Dragão (filme também de 1972, que foi dirigido por ele mesmo e que revelou Chuck Norris), o finalmente americano Operação Dragão (de 1973, o qual ele não viu finalizado, pois morreu antes de sua estreia), e o póstumo Jogo da Morte (1978), que estava incompleto quando o ator morreu em julho de 73, sendo que certa miscelânea de alternativas foram utilizadas para sua finalização.
Um dos consensos gerais ofertados pelo filme é que Lee foi um revolucionário que esteve a frente de seu tempo. Ele não se encaixava em estilos, na verdade não acreditava neles, pois "estilos separam as pessoas", dizia. Sua busca pela perfeição técnica, que misturava diferentes conceitos de luta, o faz ser considerado hoje o grande pai das Mixed Martial Arts (MMA). Suas infindáveis contribuições, sempre embutidas em seus filmes, serviram de alicerce para o esporte - chaves de braço, uso dos cotovelos e joelhos, a defesa como ataque, elementos pouco explorados até então.
No entanto, como lutador, o mesmo não via sentido em competições, pois era totalmente contra regras. Dizia que a finalidade de um combate era sobreviver, sair ileso, e para isso a contenda precisaria ser real - e com este pensamento, sua técnica focava na forma mais rápida de subjugar o adversário. Mas claro, espirituoso como era, nada o impedia de comparecer aos diferentes campeonatos de artes marciais que surgiam dia após dia - um resultado direto de sua presença no mundo, por assim dizer.
A dinâmica edição do longa trabalha um estilo bem cool na hora de enfatizar os marcantes pensamentos do ator. Temos também uma ambientação interessante para as entrevistas, algo fluido e extremamente informal. O trabalho de McCormack funciona bem, e apesar de alguns convidados mais exaltados, e outros talvez desnecessários, temos um equilíbrio constante de andamento, que conduz espectadores atentos até o final.
Em resumo: com imagens de arquivo enriquecedoras, depoimentos sinceros e carregados de admiração, Eu Sou Bruce Lee é um importante documento - praticamente definitivo - que explora a fundo a história deste lutador, de honestidade dilacerante e que veio a se tornar uma lenda. Um showman insuperável que deu colhões aos chineses e foi o único grande astro oriental a reinar soberano em Hollywood (mesmo depois de 40 anos, ninguém chegou perto de se equiparar a imagem mítica de Bruce Lee). Além de biográfica, esta obra oferece reflexão, um verdadeiro exercício de auto-análise. Obrigatório.
Eu Sou Bruce Lee/ I Am Bruce Lee: Canadá/ 2011/ 94 min/ Direção: Pete McCormack/ Elenco: Daniele Bolelli, Paul Bowman, Richard Bustillo, Stephan Bonnar, Kobe Bryant, Linda Lee Cadwell, Gina Carano, Reginald Hudlin, Dan Inosanto, Diana Lee Inosanto, Jon Jones, Cung Le, Shannon Lee, 357 Magnumm, Ray 'Boom Bom' Mancini, Chuck Norris, Ed O'Neil, Mickey Rourke, Taboo, Sharon Tate, Dana White