A Feiticeira da Guerra (Rebelle)

Diretor Kim Nguyen separa, com uma linha tênue, realidade e ficção.

Logo no início de A Feiticeira da Guerra vemos a protagonista Komona (Rachel Mwanza) perder sua humanidade. A menina do Congo, de apenas 13 anos de idade, acabara de ser recrutada involuntariamente pelo grupo guerrilheiro do líder Grand Tigre Royal, e sua porta de entrada para esta nova vida deve ser selada com sangue, um nascimento as avessas, que corta qualquer laço da mesma com mundo ao seu redor.

O filme canadense do diretor e roteirista Kim Nguyen é uma ficção, mas isso não o faz menos real. O tema mórbido (mas relevante) instantaneamente nos remete aos horrores de países como Serra Leoa ou Ruanda, e comove muito, pois oferece uma fração mínima do sentimento destas crianças soldados, que nada mais têm a fazer do que entregar suas curtas vidas à causas distorcidas e desumanizadas.

Durante quase todo o decorrer de A Feiticeira Da Guerra, Komona surge calada. A única interação mais enfática com o público vem de um voice-over da personagem, que conversa com seu filho que ainda está por vir, explicando, de uma criança para outra, os motivos e ações que lhe moldaram.



Certo dia, após tomar a "seiva da mata", Komona começa a enxergar espíritos assustadores: negros pintados de branco e com olhos sem vida. No entanto, em seu primeiro contato com estas almas penadas, ela recebe auxílio das mesmas, o que lhe faz escapar ilesa de uma emboscada do governo contra sua trupe de guerrilheiros. 

É aí que o restante do grupo cria certa idolatria pela garota, a batizando como "Feiticeira da Guerra", cujos poderes podem influenciar o resultado de confrontos futuros. Ela se torna então "um pouco relevante". 

Este contexto sobrenatural/espiritual é peça chave do filme. Os captores da jovem realizam processos ritualísticos a todo momento, sendo que até mesmo a entrega das armas nas mãos das crianças se torna uma cerimônia sagrada. É o deus Kalashnikov acima de tudo e de todos - "Cuide de sua arma como se ela fosse seu papai e sua mamãe!".



O tom documental adotado pela obra torna a experiência algo vívido e extremamente realista. O grupo de atores (que são basicamente "não atores") não entregam interpretações, mas sim relatos verídicos. Vemos crianças e adultos da região que compreendem profundamente o que está sendo argumentado na trama, fazendo com que suas incorporações se tornem basicamente a exteriorização de uma concepção já encrustada em suas personalidades - Rachel Mwanza, que faz Komona, é simplesmente perfeita em sua estreia como atriz.

A direção de Nguyen consegue se manter focada durante toda esta sofrida trajetória. Um dos maiores méritos técnicos da fita é sua fotografia, que se revela muito eficiente em ambientes de pouca luminosidade. Como o enredo exige uma iluminação precária, Nguyen usa sabiamente carros, fogueiras e lâmpadas oscilantes como focos de luz, produzindo um efeito visualmente atrativo. Simples ideias com resultados criativos.



O roteiro é teoricamente simples, e monta linearmente os acontecimentos que definem sua protagonista. Porém o peso dramático de tais descrições é inquestionável - o texto auspicioso oferece uma densidade visceral. No entanto, apesar de um inconformismo perturbador dominar a maior parte da história, temos também momentos de humor e felicidade com o fugaz relacionamento de Komona e o negro albino chamado apenas de "Mágico" (Serge Kanyinda). Basicamente um sonho de dois escravos fadados a violência.

Em resumo, o impacto de A Feiticeira da Guerra é algo difícil de ser esquecido. A fita nos oferta uma realidade distante e na maioria das vezes renegada pelos meios de comunicação em massa, que se preocupam em vender notícias e não propagá-las. O que temos é uma narrativa totalmente plausível, que revela crianças matando homens com facões (em mais um dia normal), passando fome constantemente e sendo manipuladas por indivíduos destituídos de racionalidade. Diante destas verdades, fica difícil enxergar algum sentido nessa coisa chamada "humanidade". Infelizmente esta é uma irremediável injustiça, praticamente uma maldição.

PS: A Feiticeira da Guerra está concorrendo ao Oscar 2013 de melhor filme estrangeiro. Rachel Mwanza ganhou por sua interpretação o prêmio de melhor atriz no Berlin International Film Festival e no Tribeca Film Festival.



A Feiticeira da Guerra/ War Witch/ Rebelle: Canadá/ 2012/ 90 min/ Direção: Kim NguyenElenco: Rachel Mwanza, Alain Lino Mic Eli Bastien, Serge Kanyinda, Mizinga Mwinga, Ralph Prosper

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