Adaptar a vida de um atleta para o cinema parece algo simples, e consequentemente um produto fácil de ser vendido. Pois afinal, incontáveis vitórias estão no pacote, além dos momentos de superação e redenção. Acrescente a isso uma trilha sonora cativante e pronto! Você tem uma cinebiografia de sucesso, que parece um filme motivacional, daqueles que faz você querer superar obstáculos, pelo menos por alguns minutos.
"Rush: No Limite da Emoção" contém as vitórias, a superação, a trilha sonora cativante, o lance motivacional e os heróis de que falei acima, mas ele, definitivamente, não parece simples de ser realizado, em momento algum. O que vemos é um trabalho técnico sólido, preciso, que ultrapassa gêneros e faz com que a obra fuja de seu nicho esportivo (ou de qualquer outro) e se torne uma válida opção de entretenimento para qualquer individuo do planeta que busque apreciar e conhecer uma fantástica história.
O que mais impressiona em "Rush" é seu detalhismo. O passado retratado foi encapsulado com perfeição. Os estilos e formas de 40 anos atrás surgem com tamanha naturalidade que, em um primeiro momento, não avaliamos o extenso trabalho cenográfico por trás de cada segundo de cena. Mas essa é a ideia afinal, não é? Nos fazer esquecer que aquilo foi arduamente montado. Só que a meticulosidade do diretor Ron Howard vai muito além disso, pois tanto as corridas como os intérpretes são simétricos aos da "vida real". Uma realização surpreendente.
O texto narra os entreatos e bastidores da Fórmula 1 na década de setenta, período em que o inglês James Hunt e o alemão Niki Lauda se tornaram pilotos de quinta grandeza, e consequentemente nêmesis eternos. O roteiro do experiente Peter Morgan ("Frost/Nixon") consegue resumir bem a importância desses dois atletas, e faz isso com honestidade, enumerando igualmente os defeitos e qualidades de cada um. Morgan também oferece uma interessante discussão sobre a mistificação daqueles que vivem da velocidade, e assim flertam com a morte. Uma questão obrigatória de ser abordada, devido o acidente de Lauda e a falta de segurança dos carros na época - era basicamente bater, explodir, pegar fogo e morrer, não necessariamente nesta ordem.
Direcionadas com eficiência, o que vemos em tela são interpretações consistentes. Até mesmo Chris Hemsworth convence no papel do protagonista James Hunt, bon vivant que é considerado um dos últimos corredores autênticos da F1. Já Daniel Brühl é destaque absoluto. O ator se revela o sósia perfeito de Niki Lauda, piloto e engenheiro genial que fez da Ferrari uma escuderia imbatível. Apesar de muito inteligente, a personalidade metódica de Lauda minava suas interações e relacionamentos - por sorte ele encontrou Marlene, que entendia a mecânica de sua mente e se apaixonou mesmo assim. Todos os trejeitos, carrancas e cacoetes do corredor são fielmente reproduzidos por Brühl. Um trabalho excepcional.
E enfatizando o que disse anteriormente, "Rush" é o desafio perfeito para a gana de fidelidade do diretor Ron Howard. Ele faz questão de reproduzir, de forma muito semelhante, todas as corridas retratadas (vide o acidente de Lauda). Howard se preocupou em evidenciar inúmeras referências para os mais fanáticos - como por exemplo o carro de seis rodas de Jody Scheckter, da escuderia Tyrrell. Detalhes que fazem diferença.
No final, "Rush: No Limite da Emoção" oferece, principalmente, uma condução impecável de Ron Howard. Como o próprio Niki Lauda atestou em diversas entrevistas, o filme respira veracidade, mérito este que vai para o excelente texto de Peter Morgan. E unindo os acertos técnicos à interpretações inspiradas, o que vemos é uma narrativa incrível, que simbolicamente emparelha passado e presente na linha de chegada. Recomendado.
PS: A cena em que Lauda finalmente decide acelerar a carona dos amigos italianos é tão fluida e impagável, que você realmente torce para que aquilo tenha acontecido, mesmo tudo sendo bem improvável.
Rush: No Limite da Emoção/ Rush: 2013/ EUA, Alemanha, Reino Unido/ 123 min/ Direção: Ron Howard/ Elenco: Daniel Brühl, Chris Hemsworth, Olivia Wilde, Alexandra Maria Lara, Pierfrancesco Favino, Natalie Dormer