Grandes Olhos (Big Eyes)


Olhos Nunca Mentem

Grandes Olhos é provavelmente o trabalho "mais normal" da carreira de Tim Burton, não pelo fato de abordar uma história real (lembra do insano Ed Wood?), mas sim pela incursão de uma linearidade inédita dentro da linguagem do diretor. Burton deixou um pouco de lado seu clima lúdico rotineiro, e se focou nos fatos e sentimentos do que estava contado. Seu conceito visual estilístico obviamente se manteve, porém um pouco menos acentuado, devido a esta mudança de narrativa.

O roteiro de Scottt Alexander e Larry Karaszewski adapta a incrível história de Margaret Keane e seu marido (na época) Walter Keane. Durante uma década, pinturas de Margaret foram vendidas como sendo trabalhos de Walter. A série de quadros, batizada como Big Eyes (que obrigatoriamente ilustrava personagens com olhos desproporcionalmente grandes) foi um sucesso arrasador e vendeu muito bem. A fraude é considerada uma das maiores do mundo da arte.




O principal mérito de Grandes Olhos é a capacidade de humanizar e também desumanizar seus protagonistas com facilidade, inclusive Walter Keane. As motivações por trás da fraude são construídas de maneira extremamente orgânica e natural. Parece até que Burton tenta nos convencer que, se não fosse por Walter, Margaret provavelmente não alcançaria o sucesso. Na época, uma pintura era simplesmente desconsiderada se fosse feita por uma mulher, uma lastimável injustiça. Como os dois eram pintores, e depois de casados ambos assinavam Keane (sobrenome dele), uma confusão com as identidades logo se formou, e assim, para não "azarar" as vendas, ele se tornou o autor dos Grandes Olhos, com o consenso sofrido de Margaret.


As qualidades de Walter como vendedor fizeram dos quadros um negócio milionário. Adaptando o pensamento modernista de Andy Warhol (que pregava o fim da padronização da arte, podemos dizer), Walter transformou o mercado ao inverter completamente seus valores de exclusividade. O fato é que todos queriam um exemplar dos Grandes Olhos, mas nem todos podiam pagar o alto preço de um quadro na parede. Ele então começou a produzir cópias desses quadros. Eram pôsteres e mais pôsteres que vendiam como água. Logo, até mesmo cartões, canecas e travesseiros tinham estampas pintadas por Margaret. Era o início da comercialização em massa da Pop Art. Mas a fama e a riqueza acabaram por consumir todos os envolvidos, e no final, Margaret quebrou o silêncio.




Amy Adams e Christoph Waltz provaram ser escolhas perfeitas para o casal Keane. Adams faz de sua Margaret um frágil elemento da natureza, feita de pura inspiração e talento. Acorrentada a costumes, valores e homens usurpadores por toda a vida, ela sempre esteve sozinha com sua arte, e nela se refugiou. Assim como os quadros, os olhos de Adams parecem não mentir nunca. Sua humildade com a personagem é tocante. 


Do lado negro da força temos Waltz, o vilão que todos adoram adorar. Inicialmente, Walter não parece tão culpado assim. Parece um malandro apaixonado, mais interessado em fazer algum dinheiro pra viver bem com a esposa, mesmo que isso signifique não respeitá-la moralmente como deveria (pois afinal, a sociedade machista praticamente pregava esse desrespeito). Porém, ao mínimo sinal de sucesso e fama, o homem se transforma completamente. Seu ego alcança o tamanho de uma muralha, e suas atitudes ganham contornos grotescos, até mesmo perigosos. Essa evolução de Walter, sua mutação como personagem, é muito bem construída pelo roteiro e perfeitamente interpretada por Waltz. Sem dúvida um papel complicado, mas aparentemente feito sob medida para o ator austríaco.

No final, Grandes Olhos é um retrato envolvente desta embasbacante fraude dos Keane. Tim Burton se mostra confortável com uma narrativa mais humanizada, e o eficiente roteiro proporciona aos atores o material necessário para que seus personagens sejam compreendidos, com suas complexas verdades e mentiras. Quando criança, Margaret ficou temporariamente surda, e nesse período de perda de sentidos, se fixou nos olhos ao seu redor. Seu trabalho se tornou genial, mas sua vida definitivamente não foi um conto de fadas. Recomendado.







Grandes Olhos/ Big Eyes: EUA, Canadá/ 2014 / 106 min/ Direção: Tim Burton/ Elenco: Amy Adams, Christoph Waltz, Danny Huston, Krysten Ritter, Jason Schwartzman, Terence Stamp

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