Glorificado, mas Desnecessário
Parece que Sniper Americano não poderia ser dirigido por mais ninguém a não ser Clint Eastwood – o diretor republicano meio que simboliza essa transformação de patriotismo em arte, com suas qualidades e defeitos adjacentes. A produção adapta a história real do Navy SEAL Chris Kyle, soldado que se tornou o mais letal atirador do exército americano, com 160 mortes confirmadas. O esquadrão de Kyle foi um dos primeiros a chegar no Oriente Médio após o 11 de Setembro, e eles basicamente foram os responsáveis pela abordagem mais truculenta contra a resistência local, um primeiro contato de pouco diálogo e muito pé na porta. Depois de quatro tours no Iraque (cada tour dura de seis meses a um ano), Kyle retornou definitivamente para os EUA, onde acabou assassinado por outro soldado que sofria de estresse pós-traumático.
O filme gerou muita polêmica, ao mesmo tempo em que batia recordes de bilheteria. Alguns artistas e críticos disseram que a obra glorifica erroneamente um soldado que matou homens, mulheres e crianças. Outros afirmaram que os fatos retratados, adaptados do livro de Kyle (American Sniper - The Autobiography of the Most Lethal Sniper in U.S. Military History), foram exagerados ou poetizados em demasia. Certos analistas desocupados apostaram ainda que, o bebê falso utilizado em determinada cena, faria a produção perder o Oscar de melhor filme. Em resumo (fora este último adendo), foi montada uma frente que acusava a fita de fazer apologia ao comportamento warhead dos Estados Unidos.
Sniper Americano é um bom filme, pelo menos para mim, que sou brasileiro e posso analisar de forma completamente diferente dos americanos a abordagem de Eastwood com o tema. Mesmo perdendo seu momentum em determinadas cenas dramáticas, o longa é extremamente imersivo, tudo isso devido, principalmente, a interpretação impecável de Bradley Cooper como Kyle. O ator engordou bastante para o papel, e praticamente desapareceu por trás da concentração mórbida do soldado e sua necessidade de estar em combate.
A trilha e efeitos sonoros também são destaques. É perturbador quando acompanhamos a visão de Kyle diretamente pela mira telescópica, não por termos a perspectiva em primeira pessoa (que é muito interessante), mas sim por todo o clima estabelecido exatamente pela trilha e efeitos sonoros. Quando o sniper move a mira na direção de alguém, um som cortante dá a impressão de que o rifle de precisão é na verdade uma foice, e o atirador é a própria morte.
No entanto, é fácil perceber que a licença poética do roteiro de Jason Hall se revela exagerada em certos pontos. Ela funciona bem quando usada para resumir sentimentos, como Kyle assistindo abismado o 11 de Setembro acontecendo na TV. Naquele momento ele sente o mais puro chamado do dever (the call of duty), o que sintetiza muito bem suas motivações, aparentemente reais. Agora, criar um nêmesis para o atirador? Isso já é bom demais para ser verdade, e realmente não é. Mas funciona como ficção.
No final, Sniper Americano se tornou um filme relevante. Ele é sim tendencioso, principalmente quando fala do patriotismo e das exímias qualidades de seu protagonista. Para Eastwood, Chris Kyle se tornou uma lenda em vida por ser o matador perfeito, e um herói em morte por representar as próprias injúrias da guerra. Mas precisamos concordar que, toda ação em um campo de batalha possui, pelo menos, dois pontos de vista irrefutáveis, por isso me parece inútil discutir quais atitudes são certas ou erradas em uma situação extrema como essa. A única coisa real é que a Guerra do Iraque foi (e ainda é) algo completamente desnecessário, um fardo vergonhoso, portanto, tudo que vem dela é apenas loucura. Kyle pode ter sido um bom pai de família, um bom soldado e o herói que todo americano desejava para seu país, mas como arma letal ele foi desnecessário, sua morte foi em vão, e esta é a infeliz realidade. Sniper Americano não é um filme perfeito, mas tem seu valor. Recomendado.
Sniper Americano/ American Sniper: EUA/ 2014 / 132 min/ Direção: Clint Eastwood/ Elenco: Bradley Cooper, Sienna Miller, Kyle Gallner, Keir O'Donnell