Chappie - Crítica


Produto Artificial

Depois de Distrito 9, o sul-africano Neil Blomkamp se tornou uma nova referência do sci-fi. Seu estilo documental, apoiado por efeitos especiais extremamente orgânicos e realistas, tomou audiências de assalto. Foi algo memorável para o gênero. 

Em seguida, o diretor lançou Elysium, que tinha a difícil missão de manter a qualidade autoral de seu trabalho anterior. Se tratando visivelmente de um filme enlatado pelo estúdio, o resultado dividiu opiniões, e mais que rapidamente demonstrou que Blomkamp é um ser humano passível de erros.


Pouco tempo depois veio o anúncio de Chappie, produção claramente intimista, de proposta inovadora, visual belíssimo, conceitos e protótipos muito bem definidos, orçamento enxuto, o que significa mais liberdade criativa para o autor, e por aí segue. Só que mesmo com esses denominadores apontando para um resultado positivo, isso não aconteceu. Chappie é ruim, basicamente uma tragédia, principalmente por desperdiçar seu enorme potencial.




A história apresenta a criação de uma inteligência artificial que se desenvolve como uma criança, que precisa ser guiada pela mão, ensinada. O chip que contém esta incrível e revolucionaria programação foi implantado em um robô de guerrilha qualquer, uma das muitas peças de um exército autômato, desenvolvido para lidar com a crescente violência urbana. Por ser único, Chappie (seu nome de batismo) se torna valioso. Para alguns ele vale o mesmo que um bom amigo, para outros nem tanto.


Como foi dito, a premissa é interessante, e até mesmo se assemelha com a de Distrito 9: uma entidade, por assim dizer, que se vê perdida em um ambiente completamente diferente e hostil, procurado por alguns, destratado por outros. O grande problema de Chappie, no entanto, é o vazio entre o começo e o fim. 




É triste perceber que a obra não possui nenhuma motivação cativante, e em muitos sentidos nem sequer coerente. Mesmo que a inaptidão do robô seja usada para explorar situações engraçadas, ou que denunciam diferenças sociais, existenciais..., mesmo assim, é absolutamente enfadonho acompanhar o crescimento desta criatura espetacular. Deveria ser exatamente o contrário, e isso decepciona ainda mais.

A escolha dos músicos Ninja e Yo-Landi como protagonistas ao lado de Chappie definitivamente não ajudou em nada. Blomkamp preza pelo realismo em seus filmes, mas forçar não atores a atuar não é realismo, é um erro. O uso de não atores precisa ser algo natural, senão tudo se perde, e pelo que se falou do comportamento de Ninja nos sets de filmagem, as gravações foram um verdeiro pé no saco.

Se a dupla tivesse menos tempo de tela (uma ou duas cenas, por exemplo), a participação seria mais positiva, talvez. Mas para isso a premissa teria de ser outra, como por exemplo, Chappie tentar se virar sozinho no mundo (por que não, né?), ao invés de ser criado por gângsters, aprender valores problemáticos, desaprender valores problemáticos, gerar situações politicamente incorretas e não tão engraçadas.




A sensação de desconforto e descompasso com as atuações se estende também para os coadjuvantes e ironicamente para os astros hollywoodianos da fita. O britânico Dev Patel interpreta o engenheiro Deon Wilson, que basicamente é uma definição grosseira de um cientista bonzinho tentando ser uma espécie de antropólogo moderno de final de semana. A personagem de Sigourney Weaver basicamente não tem relevância nenhuma. E o engenheiro militar, jarhead, Vincent Moore, vivido por Hugh Jackman, é talvez o pior e mais desnecessário vilão dos últimos tempos, muito disso por sua escolha de corte de cabelo. Já Sharlto Copley é Chappie, e ele manda bem.

No final, a experiência é estranha e decepcionante. O filme oferece um poder estético embasbacante, mas quem procura algo mais significativo, notará as inúmeras fraquezas. Chappie não possui identidade, é apenas um produto artificial cheio de boas intenções, mas que não convence ninguém. Não Recomendado.
  
PS: Ainda quero acreditar que o novo Alien será a redenção de Blomkamp.



Chappie: EUA, México/ 2015 / 120 min/ Direção: Neil Blomkamp/ Elenco: Sharlto Copley, Dev Patel, Hugh Jackman, Ninja, Yo-Landi Visser, Sigourney Weaver

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