A ganância é uma coisa boa? A questão é relevante, pois afinal é ela (a ganância) que faz o governo de um país ir atrás de melhorias para seu povo, que faz o homem comum evoluir como ser humano, que incentiva você a não ficar parado no mesmo lugar. O problema maior é a linha tênue entre a ganância e a falta de ética e moral, duas virtudes que parecem não existir na cartilha dos investidores milionários.
Quem já assistiu “Wall Street: Poder e Cobiça”, viu uma das melhores atuações de Michael Douglas, que na época levou o Oscar para casa. O personagem Gordon Gekko é ironicamente cativante, com sua índole desprezível e sua lábia sociopata. Mas ele pagou o preço por suas fraudes e lavagens de dinheiro, e acabou preso, servindo de exemplo para os capitalistas selvagens que transitam em seus helicópteros por Nova York. Apenas em 2001 ele foi solto, sem muito dinheiro no bolso, barba por fazer, e um celular último modelo de 1987, pesando dois quilos no mínimo.
Avançando no tempo, mas precisamente em 2008, somos apresentados a Jake Moore (Shia Labeouf), jovem estereótipo de Wall Street, que apesar de sua vontade de fazer fortuna, é um idealista dos investimentos em energia limpa e sustentável, atitude que talvez seja o único motivo plausível do envolvimento com Winnie (Carey Mulligan), filha de Gekko, que despreza o pai e tudo que o rodeia. Ela, também uma idealista, trabalha fortemente com seu site ativista, divulgando verdades inconvenientes mundo afora.
Jake trabalha apostando em mercados financeiros na renomada Keller Zabel, que aparentemente passa por uma crise. Como o mercado não aposta em investimentos ”aparentemente” confiáveis, o preço das ações da empresa despenca, e Lois Zabel (Frank Langella), que comanda toda a bagunça, se reuni com o Banco Central Americano para tentar manter-se em pé. Dentro de um meio movido por interesses e rinchas antigas, Zabel é praticamente apunhalado na reunião, tendo sua empresa comprada por seu inimigo Bretton James (Josh Brolin), do banco de investimentos Churcill Schwartz, a preço de banana.
Gekko sabe tudo que se passa por trás da economia, entre problemas e falcatruas, apunhaladas e chantagens, e Jake, como pupilo de Zabel, quer ir a fundo no assunto e descobrir o que aconteceu realmente. Ele então se aproxima do sogro em busca de “consultoria”, e em troca promete tentar aproximar Gekko de sua filha. Uma troca “aparentemente” segura.
Entre muitas informações que estouram como “bolhas”, “Wall Street: O Dinheiro Nunca Dorme” é um bom filme. Usando como pano de fundo toda a agressividade velada de Wall Street, o roteiro conta a história de um homem que busca sua redenção, tentando voltar aos negócios e se aproximar de sua única filha, que o odeia e o culpa pela morte do irmão, viciado em drogas. É claro que Gekko mudou, mas não o suficiente, para nosso alívio.
Oliver Stone dirige esta sequência com muita atenção aos detalhes, fazendo ligações diretas ao seu primeiro filme, fato que pode ser observado já na abertura dos créditos. O destaque vai com certeza para a edição contemporânea e criativa, que traz os colossais prédios de Nova York formando gráficos financeiros, e por ai vai. Utilizando do humor de forma inteligente, a obra também é recheada de referências, como a participação de Bud Fox, interpretado por Charlie Sheen. Só de aparecer o público já cai na gargalhada, pois o ator mais parece estar a caminho de filmar algum episódio de “Two And a Half Man”, com um sorriso sacana no rosto, acompanhado de duas lindas garotas.
Um dos pontos que deixa a desejar é o drama entre o pai Gekko e a filha Winnie. Carey Mulligan, que já provou ser uma excelente atriz com sua interpretação em “Educação”, parece meio desconfortável no papel da ressentida filha, que hora odeia, hora se rende facilmente aos argumentos do pai, sendo que no final sua personalidade parece forçada, e seu texto também não ajuda.
O resto do elenco se sai bem melhor. Shia Labeouf, que ainda paga o preço de ter vendido sua alma ao Michael Bay, é um bom ator, que trabalha com humildade seu Jake Moore, não entregando um rapaz onisciente e arrogante, inteligente sim, mais ainda com muito a apreender. Michael Douglas não consegue repetir o êxito total de seu primeiro Gekko, mas com um personagem desses fica difícil errar. Talvez Douglas tenha ficado menos inescrupuloso com o passar dos anos, assim como seu personagem, mas no geral, suas tramóias continuam dignas de mestre. Temos ainda Josh Brolin como Bretton James. O ator, que já trabalhou com Stone em “W.” (obra que ainda não deu as caras no Brasil), está muito bem e mostra confiança como um perfeito cretino engravatado. Destaque para Frank Langella com sua pequena e excelente participação como Lois Zabel. Susan Sarandon também aparece como a mãe de Jake, mas sua personagem acaba sendo pouquíssima explorada.
“Wall Street: O Dinheiro Nunca Dorme” não supera seu antecessor, mas funciona. Com uma trama elaborada - que traz a bolha financeira como personagem importante-, o filme derrapa no drama, mas convence na dinâmica e fluidez da trama geral. Com boas interpretações, uma direção segura e edição competente, a obra agrada a todos, e é um prato cheio aos interessados pelo tema. A ganância é uma coisa boa? Assista e tire suas conclusões.
Wall Street: O Dinheiro Nunca Dorme/ Wall Street: Money Never Sleeps: Estados Unidos/ 2010/ 133 min/ Direção: Oliver Stone/ Elenco: Michael Douglas, Carey Mulligan, Shia LaBeouf, Frank Langella, Josh Brolin
Wall Street: O Dinheiro Nunca Dorme/ Wall Street: Money Never Sleeps: Estados Unidos/ 2010/ 133 min/ Direção: Oliver Stone/ Elenco: Michael Douglas, Carey Mulligan, Shia LaBeouf, Frank Langella, Josh Brolin