Longe de querer discutir a existência de deus ou não, o famoso comediante e apresentador de TV Bill Maher (que é um ateu, filho de mãe judia e pai católico) resolveu literalmente atacar todas as organizações religiosas deste nosso complicado planeta com o filme "Religulous". Sua concepção é que: as religiões são o mal do mundo e sem elas todos estariam muito melhores.
Ele parte então em uma "cruzada" épica, procurando entender melhor todas essas distintas e (em alguns casos) surreais cadeias de pensamentos. Para isso ele entrevista pessoas de diferentes crenças e credos, sempre abordando o bendito tema religião e apontando as inconsistências das mesmas. Temos declarações de padres, cientistas, judeus, mulçumanos, mulçumanos gays, um descendente direto de Jesus Cristo e até um ex-gay. No geral, Maher pega pesado, mas sempre usa de argumentos extremamente fundamentados, que são ao mesmo tempo ácidos e hilários.
Um dos pontos que o apresentador mais insiste é a questão da evolução humana, e como é possível existir pessoas que não acreditam nela. Ele se diz abismado ao ver indivíduos inteligentes (como senadores, professores e por aí vai) engolirem a versão bíblica da criação, onde uma serpente falante oferece uma maça para Adão, e de sua costela surge Eva. É difícil não dizer que soa de forma ridícula, por exemplo, um museu todo feito para demonstrar esta provável evolução, com seres humanos vivendo em harmonia com dinossauros, usando selas para cavalgar nos animais pré-históricos. Tudo muito sério. Simplesmente surreal.
Mas Maher se preocupa em dar pancada em todas as religiões de forma igualitária, questionando os mandamentos católicos, a pedofilia, assim como a veracidade das escrituras bíblicas. Aponta também a violência e o fanatismo islâmico, o suicídio social dos ex-mórmons, a piada pronta que é a Cientologia, entre muitas outras.
No entanto, a ideia final que o comediante tenta passar é: que o fim do mundo profético (o apocalipse) descrito em quase todas as religiões, e aguardado veemente por elas, não virá de algo divino, mas sim das mãos dos homens, principalmente dos fanáticos religiosos. Em meio a fortes cenas de atentados terroristas, guerras e constatações óbvias de que o homem está destruindo seu próprio lar, fica então uma teoria no mínimo relevante e digna de discussão.
O filme foi dirigido por Larry Charles, mãos que estão por trás de falsos documentários como "Borat..." e "Bruno" (ambos longas estrelados pelo lunático Sacha Baron Cohen). Ou seja, Charles já tem experiência em conseguir direitos de imagem antes das entrevistas serem realizadas, possibilitando assim que nem todos os processos contra o filme (que sempre são muitos) cheguem a vingar. O estilo de guerrilha do diretor se encaixa perfeitamente com o espírito da obra, sendo que sua qualificação para o trabalho inclui ser um grandessíssimo cara de pau e ter a agilidade de sair correndo de certos lugares sagrados cuja captação de imagens não foi autorizada.
Outro ponto de destaque da obra é a edição verdadeiramente ilustrativa utilizada, que culmina em vários momentos de um humor negro de qualidade. Quando alguém fala: "Mas o que pode acontecer de mal quando você ama demais a deus?", sendo que logo seguida um corte rápido revela uma cena real em que um terrorista acelera seu carro rumo a um prédio, explodindo com a colisão. Em outro momento Maher discuti a sanidade de pessoas que falam em outras línguas ou dizem ouvir vozes, e somos então presenteados com algumas das mais engraçadas sequências de indivíduos balbuciando por quase meio minuto palavras totalmente sem sentido. É possível também conferir imagens e o áudio do julgamento de uma mãe que afirmou ter matado seus filhos por que deus assim mandou em sua cabeça. A edição mais que sagaz logo saca uma cena de um antigo filme (que me foge agora o nome) em que Abraão se prepara para matar Isaque, e ao fundo rola Highway 61 de Bob Dylan:
Oh God said to Abraham, "Kill me a son"
Abe says, "Man, you must be puttin' me on"
God say, "No." Abe say, "What?"
God say, "You can do what you want Abe, but
The next time you see me comin’ you better run"
(É melhor rir para não chorar!)
É possível sentir, em alguns momentos, que as entrevistas são levemente conduzidas no intuito de se dar um ritmo mais cinematográfico a elas, fato costumeiro em documentários. Mas isso não tira o peso dos argumentos explorados, isso na verdade seria um acabamento "estético" utilizado para gerar o humor, focando reações e gestos com a intenção de exemplificar o desconforto ou mesmo a irritação do entrevistado. Um recurso muito usado, por exemplo, pelo diretor Michael Moore, mas que às vezes gera controvérsia entre os críticos e cinéfilos mais puristas. Mas no final, controvérsias a parte, os entrevistados falam por si só, e não existe edição do mundo que manipule afirmações tão equivocadas como: "Eu sou o novo Jesus, mas mesmo se fosse o novo Satã, também faria um bom trabalho, por que sou dedicado".
Com "Religulous", Bill Maher primeiramente tenta dizer que não é pecado você não ter uma religião, afinal, existem fatores preocupantes por trás destas instituições que deveriam ser ao menos avaliadas antes de serem adquiridas como uma herança familiar. Muito dinheiro rola por trás da fé, e este é um dos muitos elementos que são no mínimo contraditórios. Suas histórias e textos sagrados falam de coisas mágicas, que em um contexto paralelo podem ser comparadas ao Papai Noel.
Resultado final: O filme é uma hilária sequência de absurdos para quem já concorda com os argumentos citados; é uma ofensa para os religiosos fervorosos; é uma obra fortemente recomenda para aqueles que buscam vidas mais racionais e realistas.
Religulous: Que o Céu nos Ajude/ Religulous: Estados Unidos/ 2008/ 101 min/ Direção: Larry Charles/ Elenco: Bill Maher, Tal Bachman, Jonathan Boulden, Steve Burg