Melancolia (Melancholia)

Lars Von Trier já afirmou ser o melhor diretor do mundo, e de quebra disse algumas besteiras em Cannes que o fizeram parecer um grandessíssimo nazista. Exageros e polêmicas à parte, o diretor é, sem sombra de dúvida, um dos mais criativos e corajosos de nosso cinema atual. Praticamente tudo que ele faz chama muita atenção, e não é por menos, sua carreira toda foi marcada por revoluções na forma de se fazer cinema, e agora, meio que fatigado por uma depressão pesada (que lhe rendeu o visceral “Anticristo”) o diretor faz, na humilde opinião deste crítico, seu filme mais hollywoodiano. Mas lembre-se, essa é a Hollywood de Von Trier, ou seja, você se sentirá a um passo do inferno (como sempre), e isso nunca será confortável ou prazeroso.

“Melancolia” não é um filme catástrofe, catalogá-lo assim seria simplesmente errado. Sim, a obra usa como pano de fundo o fim do mundo (logo no começo vemos o globo explodindo em mil pedaços), mas esse sentimento de extinção é tão simbólico e descontextualizado que, na verdade, nossas sensações em poucos momentos assimilam a obra como um “filme catástrofe”. Para aqueles que adoram o gênero, este seria o pior filme de todos, ou ao menos seria uma referência comum a se relacionar, velando talvez uma possível decepção.

O roteiro é divido em dois capítulos, batizados com os nomes das irmãs que servem de norte para história. A primeira irmã, Justine, seria a encarnação perfeita da natureza humana: bela, bondosa, insatisfeita, vulgar, egoísta, enfim, contraditória e complicada. Von Trier apresenta a personagem na festa de casamento da mesma - fato que remete, quase que automaticamente, para “Festa de Família”, de seu companheiro de “Dogma 95” Thomas Vinterberg. Nesta festa podemos conhecer melhor os personagens: uma mãe autodestrutiva, um pai ausente, um noivo alienado, um publicitário repugnante e por aí vai. O diretor em momento algum demonstra a intenção de revelar os reais motivos e acontecimentos por trás das frustrações, rancores e sentimentos que invadem as cenas. Diante da obra, somos espectadores ativos, ou seja, roteiristas natos que amarram as pontas oferecidas, vivendo na pele os sentimentos anticlimáticos elevados a quinta grandeza.


Já a segunda irmã, Claire, traz a obviedade do medo humano. Ela é a personificação metódica do medo, criando e agendando situações até os últimos momentos de sua vida. Sua frustração é perder o filho, marido, sua excelente, egoísta e alienada vida. Ou seja, Claire representa a grande maioria dos seres viventes deste planeta, os grandes consumidores hollywoodianos por assim dizer. No final, sua morte é claustrofóbica, enquanto seu próprio filho pequeno encontra um desfecho muito mais digno. 

Lars Von Trier parece ter abandonado de vez as propostas técnicas do Dogma 95. Sua película plástica, carregada de efeitos visuais e retoques de iluminação, se apresenta belíssima ao extremo. Sua sequência inicial é simplesmente memorável e corajosa, mesmo ele utilizando toneladas de slow motion, um artifício que hoje pode ser taxado como banal, mas que, no entanto, o diretor consegue dar personalidade, tornando-o diferente, exacerbado, único. Certo estilo documental permeia a festa de casamento, enquanto no segundo capítulo temos uma linguagem mais subjetiva e afastada. No geral, “Melancolia” apresenta uma produção impecável. Sua trilha sonora, composta basicamente por linhas de Richard Wagner, em certos momentos nos remete a obras clássicas como “Metropolis”, de Fritz Lang. Realmente retumbante.


Já a escolha do cast é com certeza a prova contundente de que Von Trier quis realizar um filme pop de primeira, para assim finalmente reconquistar certa moral e conseguir verba para “Washington”. Suposições absurdas à parte, a escolha do time de atores é no mínimo incomum para um diretor que tem a fama de estuprar mentalmente seu elenco. 

Primeiramente falemos de Kirsten Dunst, uma excelente atriz que começou muito nova, hoje se encontra em ascensão, passou também por uma forte depressão (temos aí então certo elo entre atriz e diretor) e foi devidamente levada as alturas em “Homem Aranha”, um blockbuster de proporções estratosféricas. No final, a atriz é uma digna representante do cinemão pipoca, mas isso não desvaloriza sua atuação, pois ela consegue exteriorizar de forma incrível toda a loucura e liberdade de espírito que contém, proporcionando uma Justine extremamente orgânica, amável, detestável, enfim, humana. Um trabalho excepcional. 

Ainda no time dos queridinhos temos um dos rostos mais populares do universo televisivo, Kiefer “Jack” Sutherland, como o marido astrônomo John. Ele é acompanhado por Alexander Skarsgård, que faz o noivo de poucas palavras Michael (Skarsgård é conhecido única e exclusivamente pelo seriado da HBO “True Blood” e por ser filho de Stellan Skasgard, que também participa do filme). 


Já Charlotte Gainsbourg realiza um feito épico e retoma a parceria com o diretor no papel de Claire, sendo, como sempre, fria, evasiva e eficientemente complexa. E para fechar, John Hurt realiza uma pequena, mas contundente participação como o pai Dexter.

No final, Lars Von Trier opera a mais acessível de suas obras. Isso definitivamente não diminui o valor da mesma, mas revela uma mudança no mínimo inusitada no modo do diretor fazer cinema. E parece que a ideia surtiu resultados, todos se atraíram pela grandiosidade e luminosidade de “Melancolia”, sendo Kirsten Dunst a grande privilegiada da fita, levando o emblemático prêmio de melhor atriz em Cannes. 

Como toda obra de Lars Von Trier, “Melancolia” é um filme distorcido, pesado e carregado de significados que fogem de uma aparente obviedade perpetrada. Não é a melhor de suas obras e nem a pior, é praticamente mais um devaneio, quase que privado, que o diretor nos dá a oportunidade de apreciar.




Melancolia/ Melancholia: Dinamarca, Suécia, França, Alemanha/ 2011/ 136 min/ Direção: Lars von Trier/ Elenco: Kirsten Dunst, Charlotte Gainsbourg, Alexander Skarsgard, Brady Corbet, Cameron Spurr, Charlotte Rampling, John Hurt, Kiefer Sutherland


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