"O Artista" é algo diferente, algo que dificilmente não chama atenção. Primeiramente seu formato 4:3 teima em discordar com a atual ascensão do widescreen, e depois, a história é uma ode ao cinema mudo, explorando toda sua beleza expressiva e infelizmente esquecida, hoje só lembrada pelo grande público, mesmo que dignamente, através das obras do mestre Chaplin. Mas houveram muitos outros diretores fantásticos, Martin Scorsese que o diga.
Ironicamente, o longa francês aborda o nascimento do cinema falado - e consequentemente a morte do mudo - nos Estados Unidos. Enquanto todos os outros filmes do Oscar tiravam férias em Paris, o diretor Michel Hazanavicius fazia seus personagens trabalharem duro nos EUA.
O tema menos óbvio de "O Artista" é a inconstância da vida, com suas voltas e voltas, onde poucos conseguem se segurar para não serem atirados ao longe. George Valentin (Jean Dujardin) era o rosto sorridente do cinema mudo, a confiança em pessoa. Ele cumprimentava a si mesmo quando saia de casa, de tão respeitado que era. Mas com a chegada do som, seu fim foi amargo. A desilusão com a carreira, com o próprio talento, é talvez o pior mal que TODO artista uma hora tem de enfrentar, e para esses pioneiros do cinema o golpe foi maior, eles foram esquecidos de forma cruel. Com a quebra da bolsa em 29, e com a guerra pouco depois, estas pessoas simplesmente desapareceram sem deixar rastros, algo muito triste que é explorado de forma visceral pelo texto e direção de Hazanavicius.
Mas o humor da obra é sem dúvida um dos destaques. A qualidade de Jean Dujardin com seu George Valentin é indiscutível, ele é, de fato, um artista completo, que dança e atua de forma exemplar. Sua belíssima companheira Peppy Miller, interpretada pela excelente Bérénice Bejo, nos faz rir e chorar com facilidade. Um trabalho primoroso do casal. A ligação entre os dois é muito bem lapidada, sendo cada um deles o representante de uma diferente era do cinema, mas sempre conectados, em débito, e nunca esquecendo disso, como deveria ser.
E causando certa estranheza, vemos na maioria do elenco rostos americanos, neste filme com espírito totalmente europeu, caracterizando talvez seu maior charme. Podemos ver John Goodman, James Cromwell, Penelope Ann Miller e até mesmo Malcolm McDowell fazendo uma ponta. Tudo muito interessante.
No final, o diretor e roteirista Michel Hazanavicius realizou uma obra clássica, inesquecível e extremamente criativa. Sua busca - cheia de motivações pessoais - pela possibilidade de se fazer novamente um filme mudo acabou sendo triunfante, ganhando diversos prêmios mundo afora, como Melhor Ator no Festival de Cannes, Globo de Ouro de Melhor Filme – Comédia ou Musical, Melhor Trilha Sonora, Melhor Ator – Comédia ou Musical, BAFTA de Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Ator e Oscar de Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Ator, Melhor Figurino e Melhor Trilha Sonora. Êxito total e merecido, que a muito, muito tempo um filme mudo não alcançava.
Martin Scorsese falou de maneira poética sobre o cinema mudo da Europa, glorificando o mestre George Méliès com seu "A Invenção de Hugo Cabret", mas foi Hazanavicius com "O Artista" quem traduziu de forma metalinguística toda a essência real do gênero, toda sua beleza e encantamento, envolto em sucesso e ao mesmo tempo simplicidade. Algo realmente único. É ver para crer!
PS: O cão Uggie é um show a parte. Ele literalmente rouba a cena em vários momentos!
O Artista/ The Artist: França, Bélgica/ 2012/ 100 min/ Direção: Michel Hazanavicius/ Elenco: Jean Dujardin, Bérénice Bejo, John Goodman, James Cromwell, Penelope Ann miller, Missi Pyle, Beth Grant, Ed Lauter, Joel Murray, Bitsie Tulloch, Malcolm McDowell