Existe algo extremamente motivador em relação a genialidade de Wes Anderson: ela ainda nem alcançou seu ápice. Diante de sua primorosa direção em "Moonrise Kingdom", este constante amadurecimento nos sugere um futuro, sem dúvida, brilhante. Algo que passeia tranquilamente entre a perfeição técnica desmedida de Stanley Kubrick e a inteligência inquisidora do humor de Woody Allen. Algo bem por aí.
Mantendo seu estilo único - já consagrado em obras memoráveis como "Rushmore" e "Os Excêntricos Tenenbauns" -, Wes Anderson novamente oferece um trabalho de ritmo próprio, diferente de tudo. Uma personalidade excêntrica carregada de sutilezas e detalhes encantadores. A bela simetria de suas cenas monta a todo momento quadros milimetricamente elaborados, composições complexas de fundo, cores balanceadas, sequências ininterruptas, com seus travelings igualmente simétricos e cadenciados.
A história se passa em 1965 na ilha fictícia New Penzace. Nela, um casal de jovens problemáticos se conhece: ele, Sam Shakusky (Jared Gilman), 12 anos, é um órfão dedicado a vida de escoteiro junto ao seu grupo: "Escoteiros Cáqui da América do Norte", sediados no "Acampamento Ivanhoe" e liderados pelo Escoteiro Mestre Randy Ward (Edward Norton). Ela, Suzy Bishop (Kara Hayward), 12 anos, é filha da descontente dupla de advogados Walt e Laura Bishop (Bill Murray e Frances McDormand). Dona de uma expressão enigmática, a garota tem perigosas crises de raiva e um diferenciado gosto literário. Suzy é ovelha negra de sua família, e simplesmente não suporta viver dentro desta realidade.
O inocente e corajoso casal se conheceu em uma apresentação teatral da igreja de New Penzace. Durante um ano eles trocaram diversas cartas, confidenciando segredos e desabafando os constantes problemas de suas personalidades disfuncionais. Diante de tamanha falta de compreensão existencial, os dois resolvem fugir, mesmo que seja por alguns dias. Colocando em prática todos os seus conhecimentos sobre acampamentos e essas coisas, Sam conduz Suzy por uma antiga trilha Chickcham, cujo o destino é uma pequena praia escondida na ilha - "um lugar especial".
Enquanto isso, os "adultos responsáveis" arrancam seus cabelos de preocupação, tentando, além de tudo, resolver seus próprios dilemas pessoais, morais, existências, profissionais, individuais e em conjunto - e para exacerbar as coisas, uma terrível tempestade se aproxima do local, sendo descrita de forma "Discovery" pelo narrador sem nome (interpretado por Bob Balaban, que parece um dos gnomos da Amelie Poulain). O fato é que o Capitão Sharp (Bruce Willis) - responsável pelas busca dos jovens - se mostra comovido pela a história do solitário garoto Sam, o que torna a presença do Serviço Social (entidade incorporada, literalmente, por Tilda Swinton) um incômodo, quando por perto.
Podemos perceber então que a criatividade do roteiro de Anderson e Roman Coppola (que também participou da roteirização de "Viagem a Darjeeling") segue a linha das obras anteriores do diretor: personagens incríveis, construídos de forma aprofundada, uma relação de amor problemática como pano de fundo, aprendizados morais e aproximações afetivas de diferentes núcleos que orbitam os protagonistas, texto inteligente e de características únicas.
Como de costume, a atenção aos detalhes da produção, cenários, bugigangas e apetrechos é destaque absoluto, como, por exemplo, os livros fictícios que Suzy carrega em sua mala. Cada capa foi criada por um artista diferente. Inicialmente, Anderson havia planejado realizar pequenas montagens animadas para os trechos lidos durante o filme (trechos escritos por ele mesmo), mas decidiu manter o close no rosto de Suzy, enfatizando também o grupo de ouvintes ao redor. Mas ainda com a ideia na cabeça, ele produziu animações separadamente, e o resultado final você vê abaixo. O vídeo, apresentado pelo narrador gnomo, não contém spoilers para quem ainda não assistiu o filme:
A trilha sonora também é uma peça fundamental na linguagem de Anderson. O diretor afirmou em entrevistas que o trabalho de Benjamin Britten - compositor muito utilizado em obras infantis - serviu como uma forte inspiração para o desenvolvimento do projeto. Canções como "The Young Person's Guide to the Orchestra (Introduction/Theme; Fugue)" ou "Simple Symphony ('Playful Pizzicato')" se encaixam com perfeição na maneira estranha de Anderson se comunicar. O hipnotizante tema principal, "The Heroic Weather-Conditions of the Universe", composto por Alexandre Desplat, também chama atenção ao receber uma narração oportuna, que explica passo a passo a utilização dos instrumentos utilizados na mesma... algo sem igual, novamente. Completando o exercício de bom gosto, é possível ouvir também diversas canções do cantor country Hank Willians, e clássicos de Mozart e Schubert.
O elenco escalado é movido por contrastes, sendo formado por atores experientes e jovens novatos - crianças que se aventuram pela primeira vez na profissão. Mas apenas uma verdade fica clara: não existe espaço para interpretações vazias nesta produção. Os personagens são fortes, a direção sabe exatamente o que quer, então problemas neste quesito são inexistentes. De Willis ao garoto Gilman, todos se saem muito bem.
No final, "Moonrise Kindgdom" pode ser definido apenas como obrigatório. Se você aprecia o bom cinema, deve assistir a este filme - será um experiência incomum e inesquecível. Ao contar a história de dois jovens disfuncionais, Anderson diz muitas coisas, algumas diretamente, outras de maneira subjetiva, mas quase todas são alicerçadas pela crença no amor verdadeiro, aquele que é para a vida toda... algo que nos dias de hoje parece apenas uma loucura e nada mais.
Romântico, excêntrico, engraçado, poético, sistemático e até mesmo polêmico. "Moonrise Kindgdom" é um filme com crianças feito para adultos, e o resultado é excepcional. Como foi dito inicialmente, vemos aqui a distinta verve criativa de Wes Anderson caminhando rumo a seu ápice. Não sinta-se tranquilo até vê-lo.
Moonrise Kingdom: EUA/ 2012/ 94 min/ Direção: Wes Anderson/ Elenco: Bruce Willis, Edward Norton, Bill Murray, Kara Hayward, Tilda Swinton, Frances McDormand, Jason Schwartzman, Harvey Keitel, Jared Gilman, Bob Balaban