O longa dirigido por Ridley Scott apresenta uma personalidade bipolar temporal, por assim dizer. Primeiramente, seu roteiro não parece feito para os dias de hoje. Fica a impressão de que o texto funcionaria melhor no início da exploração cientifica no cinema, quando inconsistências eram relevadas mais facilmente - atualmente, tudo respira veracidade, até mesmo filmes de heróis conseguem tornar suas histórias em algo realista. Apesar do mote central ser muito interessante - montando um prólogo para o clássico "Alien - O Oitavo Passageiro" -, aquele sensação de algo palpável (como obra) simplesmente não existe. Temos de aceitar os fatos expostos quase que por obrigação: como a cientista crente em deus que busca uma consequente desmistificação do mesmo, ou as diversas provas cabais (e forçadas, para se dizer o mínimo) de que "engenheiros" deixaram um mapa estrelar para diversas civilizações antigas, sendo este praticamente um convite para uma visita hospitaleira.
Em contra partida, em relação a bipolaridade, vemos produção e direção contundentes, e deveras atuais. O visual alcançado por Scott é algo motivador. Sua fotografia congelante faz bem aos olhos, toda a parte técnica de efeitos digitais, design de cenários, uniformes e trajes espaciais, são elementos muito bem talhados, certamente o melhor que a fita tem a oferecer (mesmo com o correto afastamento do estilo de H.R. Giger, já que a ideia não era se vincular demais ao "O Oitavo Passageiro").
Devido a estes fatores positivos, a experiência não acaba sendo tão frustrante mediante as opções erradas de um roteiro que por vezes atropela a lógica das situações, optando por soluções rasteiras, que no final incomodam e pesam no resultado, como: um briefing inacreditavelmente de última hora (3 anos de atraso), a infantilidade desnecessária alavancada por uma frustração indigna, um especialista em ambientes rochosos (e munido de aparatos de mapeamento extremamente úteis) perder a saída pela qual entrou em uma caverna, a situação crucial em que uma corrida pela vida é decidida facilmente com um rolamento para esquerda, ou mesmo sacrifícios guiados por motivações instantâneas (citando apenas algumas dessas "soluções"). O roteiro de Jon Spaiths (do péssimo "A Hora da Escuridão") e Damon Lindelof ("Comboys & Aliens") com certeza leva a culpa.
Mas um ponto de destaque é a construção do androide David, interpretado pelo sempre eficiente Michael Fassbender ("Hunger"). Fazendo uma referência clássica fortíssima ao também artificial Ash, de "O Oitavo Passageiro", temos em David o grande link de aproximação com o público, algo que deveria ser feito pela personagem feminina principal Elizabeth Shaw, interpretada por Noomi Rapace - atriz que ganhou fama pela versão europeia de "Os Homens Que Não Amavam As Mulheres". Mesmo Rapace sendo uma boa atriz, sua cientista não consegue alcançar o carisma de uma Ripley (missão difícil, mas que deveria ser obviamente almejada por Scott), ficando renegada a ser vítima ao invés de heroína.
O resto da tripulação não é bem explorada, sendo Meredith Vickers, vivida por Charlize Theron, a personagem mais sem propósito da fita, seguida de perto por Charlie Holloway (Logan Marshall-Green), parceiro cientista e amante de Elizabeth - que deveria ter importância (alguns podem até dizer que tem), mas sua participação se mostra tão sem sentido que, o longa sem ele, provavelmente continuaria o mesmo. Guy Pearce e Idris Elba oferecem alguma diversidade para o grupo com seus Peter Weyland e Janek (respectivamente), mas no geral, nenhum desses humanos desperta interesse ou tenta se aproximar da audiência. O que existe é uma distância fria e asséptica dos mesmos, sendo que em momento algum torcemos por eles.
No final, "Prometheus" é uma experiência de entretenimento raso. Seu cunho filosófico, que explora a criação humana através de um prisma em que a imagem de um "engenheiro criador" é próxima do homem comum ("Eram os Deuses Astronautas?"), perde muito de sua força quando a construção da história, personagens e mesmo cenas estão comprometidas. A obra é sim visualmente bela, traz um excelente personagem do qual podemos nos aproximar, cria boas referências do clássico "Lawrence da Arábia", oferece cenas de tensão e desespero (uma na verdade, envolvendo uma operação) e monta de maneira digna o surgimento de um ser ícone do cinema de ficção, o Space Jockey. Só que mesmo assim, os erros são mais visíveis, o que fatidicamente revela como tudo poderia ser melhor estruturado. Não respondendo perguntas fundamentais da história, o desfecho fica aberto, e agora só nos resta esperar que uma sequência seja mais bem talhada - se bem que a versão em blu-ray promete, com os extras, oferecer algumas respostas. Uma jogada não muito honesta de Scott.
PS: acho que o especulado "At The Mountains of Madness" - filme baseado na obra de H.P. Lovecraft, que seria dirigido por Guillermo Del Toro e que não rolou por causa do "Prometheus" - possivelmente seria mais negócio.