TED

Mesmo com o hype e toda a polêmica em torno de "Ted" aqui no Brasil - envolvendo a ida traumática ao cinema do deputado federal Protógenes Queiroz -, eu honestamente não esperava que o filme do ursinho falante e maconheiro fosse tão maneiro.  

A história é a seguinte: o garoto John Bennett sempre foi muito sozinho. Ninguém o convidava para espancar pequenos judeus na rua em que morava... ou montar bonecos de neve. Mas em uma noite especial de Natal, o jovem pediu que seu presente recém adquirido, um urso de pelúcia batizado como Ted, ganhasse vida e se tornasse seu melhor amigo para todo o sempre... o que inexplicavelmente acontece.  

Depois de toda a surpresa do mundo em torno do bizarro acontecimento, Ted se torna uma celebridade inusitada, e com o tempo, como é de costume com celebridades inusitadas, ele descamba para o nível de subcelebridade inusitada... que é um sinônimo da palavra decadência. Mas o bicho nunca se importou muito com isso, para ele o fundamental era estar com seu amigo marmanjo.  

E sendo assim, ele e John passavam dias fumando maconha, assistido filmes antigos e curtindo a vida no melhor estilo porra louca de ser. Só que esta inconsequência completa do humano da dupla começou a empecilhar seu relacionamento com a bela e bem sucedida Lori. Vem então o soco no estômago da realidade: John precisa crescer, deixar de ser um moleque, e a solução para isso parece óbvia.



Como é possível perceber, o mote da trama é bem simples, e passeia por caminhos conhecidos como "vamos dar uma de cúpido", "ele está atrasando minha vida", e "meu deus, ele é muito importante para mim". No entanto, é no humor ofensivo que está o verdadeiro mérito da produção. Temos piadas pesadas, que mesmo lidando com defecação humana (por exemplo), são criativas e não forçam demais a barra (por mais contraditório que isso possa soar). Fica bem claro que este longa se distancia com velocidade de comédias genéricas que se alicerçam no tema porra louquice. Aqui é tudo mais vívido. Só que vale lembrar: mesmo com esta qualidade autoral evidente, o humor definitivamente não agradara a todos, em especial aos mais puritanos - pode perguntar ao Protógenes.  

Mas um dos pontos fortes de "Ted", que torna tudo insanamente maneiro, são suas muitas referências a cultura pop. Além de difamar diversas personalidades como Adam Sandler, Susan Boyle e o ET Alf, temos citações que vão de "Star Wars", "Superman" e "Aliens" até a Hasbro e o seriado "Arnold". Eu na verdade acho que o ator Gary Coleman foi uma das inspirações por trás do personagem Ted - a série conhecida mundialmente como "Diff'rent Strokes" não acabou bem, na realidade, tudo que envolve o fim da mesma parece algo saído de um conto de terror, com os atores mirins se envolvendo fortemente com drogas e tentando suicídio (alguns bem sucedidos). O fato é que, com o fim de "Arnold", Gary Coleman (tragicamente) se tornou uma piada, elemento que é citado como uma forma de referência por Ted, que diz entender o que o pequeno interprete sentiu em seu período de decadência. Ou seja, um pouco de humor negro não faz mal a ninguém.



Só que dentre todas estas homenagens, a mais enfática é para o improvável e inesquecível (nem perto disso) longa "Flash Gordon". O melhor de tudo é que este filme também marcou minha infância, principalmente sua excelente trilha sonora, composta magistralmente pela banda Queen. O ator Sam Jones, que interpretou Flash Gordon no clássico trash/cool de 1980, faz uma participação épica em "Ted"... simplesmente hilária. Eu sinceramente não sei o que uma pessoa que nunca ouviu falar de "Flash Gordon" vai pensar dessa loucura toda apresentada, mas eu achei extraordinária... e não estou dizendo isso como fã saudosista (talvez um pouco), pois este trecho é sem dúvida um dos melhores da fita.  

E o grande nome por trás de "Ted" é Seth MacFarlane. Se você não o conhece, só precisa entender duas coisas: o cara é um cretino extremamente engraçado e é o criador da sádica série de animação "Family Guy". Seu humor sempre passeou pelos caminhos da amoralidade, e com "Ted" não poderia ser diferente. 

McFarlane dirigiu, participou da roteirização (ao lado de seus parceiros de "Family Guy", Wellesley Wild e Alec Sulkin), dublou e fez os movimentos do urso de pelúcia através da técnica de captura de movimento. Seu trabalho é espantosamente competente, suas escolhas são coerentes, as cenas desenvolvidas se revelam, em totalidade, bem estruturadas, o andamento possui um ritmo correto, os efeitos especiais - que dão vida ao urso antropomórfico - são excelentes e o roteiro é muito bem talhado. Enfim... tudo cumpre dignamente sua função dentro da ideia proposta. 

Outro elemento que se destaca é a trilha sonora incidental de Walter Murphy, que em diversos momentos emula, de maneira sarcástica (claro), aquele feeling anos 80 que só o John Williams conseguia dar as produções do amigo Spielberg - lembrando também que as canções escolhidas são de muito bom gosto, sendo na maioria clássicos do Rock... como as do próprio "Flash Gordon" (tan tan tan... Flaaassshhhh Uhhhh... AhhhhAhhhh... e eu não estou louco, beleza?!).



E para conseguir amarrar esta operação ousada, um bom elenco foi recrutado: Mark Wahlberg, como o crescido garoto sonhador John, prova mais uma vez que sabe fazer comédia (e que também sabe ser um bom ator, as vezes). Mila Kunis retorna ao seu gênero de origem com qualidade, e apesar de sua personagem Lori ser a chata da história, ela consegue encantar e fazer rir (para ela isso é fácil né?!). Joel McHale (famoso pelo seu Jeff Winger, da ótima série "Community") é outro destaque com o insuportável homem de negócios Rex. E por fim, o sempre insano Giovanni Ribisi faz o vilão performático Donny (por que todo filme com ursinhos de pelúcia falantes precisa de um antagonista que cause pavor de verdade). Temos ainda pequenas participações de Matt Walsh, Patrick Warburton, Ryan Reynolds, Ray Romano, Patrick Stewart (como o narrador), Tom Skerritt, o já citado Sam Jones e até mesmo Norah Jones, todos colaborando de forma bem bizarra, como deveria ser. 

No final, "Ted" é uma comédia altamente recomendada para quem não se importa em ouvir uma porção de besterias. Só que mesmo com esta personalidade desbocada, a fita consegue enxergar um limite, ser verdadeiramente engraçada, misturar de maneira inspirada temáticas contrastantes (como a pureza da inocência infantil com a degradação psicológica de uma subcelebridade que curte prostitutas ousadas e muita maconha), e fazer homenagens inesquecíveis a diversos ícones de nossa cultura pop... como o irado Flash Gordon. Protógenes desaprova... mas o filho dele com certeza não.   

Foto estilo Flash Gordon para terminar.






TedEUA/ 2012/ 106 min/ Direção: Seth MacFarlane/ Elenco: Mark Wahlberg, Mila Kunis, Seth MacFarlane, Joel McHale, Giovanni Ribisi, Patrick Warburton, Matt Walsh, Patrick Stewart, Norah Jones, Sam J. Jones, Tom Skerritt

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