Dirigindo "No" de maneira genial, Pablo Larraín apresenta uma reconstrução histórica do plebiscito chileno que tirou Pinochet do poder.

Em 1988, depois de 15 anos de ditadura imposta pelo governo de Augusto Pinochet, o povo chileno teve a chance de votar na continuidade do presidente em um plebiscito nacional. Era "Sim", para manter Pinochet no cargo por mais oito anos, ou "Não", para expulsá-lo do poder. Obviamente a população estava dividida, uma parcela do povo vivia muito bem, trabalhava, seus filhos estudavam, mas isso às custas dos 40% de miseráveis no país. Era preciso que uma mensagem abrisse os olhos dessas pessoas, vencendo assim esta barreira fomentada pela alienação e medo.

"No", filme dirigido e roteirizado de forma brilhante por Pablo Larraín, se baseia no manuscrito não publicado "El Plebiscito", escrito por Antonio Skármeta. A obra, de tom documental vertiginoso, explora as estratégias publicitárias utilizadas em ambas as frentes - O "Sim" e o "Não" teriam campanhas eleitorais na TV de 15 minutos cada. Mas as propostas do filme não param por aí. A ideia primordial de Larraín foi realizar uma reconstrução histórica do acontecimento, homenageando todos os envolvidos na campanha do "Não", e obviamente condenando os do "Sim". Seguindo então este propósito, o resultado alcançado foi magnífico, pois, além de se utilizar de imagens reais das campanhas, ele convocou pessoas que realmente participaram dos vídeos - enquanto na ficção os mesmos estão envelhecidos, nos vídeos originais os vemos jovens, uma licença poética de méritos incalculáveis. Atenciosamente, o diretor realizou uma espécie de bastidores das peças que foram ao ar, reproduzindo as filmagens das cenas que as compunham.



"No" explora também todos os problemas enfrentados pela equipe "comunista". Os artifícios de intimidação perpetrados pelo governo eram constantes, e culminavam em injustiças revoltantes. Os membros da equipe eram seguidos, seus vídeos eram analisados pela direita antes de irem ao ar (e censurados pelos mesmos), eles e suas famílias eram ameaçados. Um terror que, pelo menos os publicitários, não estavam acostumados, pois faziam parte da parcela privilegiada da população, e entraram nesta missão cheios de receios.

E alicerçado pela história extremamente relevante, Larraín ainda encontra espaço para surpreender tecnicamente. Pelo formato 4:3 já percebemos que sua proposta é diferenciada, e ele usa câmeras de videocassete (tecnologia conhecida como U-Matic) para realizar o longa. O que vemos então são imagens que parecem caseiras, que lembram aquela fita de casamento de 1990 que sua família já transformou em DVD. Linhas saturadas coloridas contornam os atores, a iluminação é na maior parte natural e a cenografia retrata fielmente o final dos anos oitenta (o que completa a transposição para a época). O áudio, no entanto, é impecável, mas o mesmo não destoa do formato utilizado, ou seja, a produção realiza um trabalho minucioso para ambientar o som ao padrão da câmera, sem ficar falso ou deslocado, e sem perder qualidade. Simplesmente genial.



Fortalecendo a mensagem, o mexicano Gael Garcia Bernal realiza um excelente trabalho como René Saavedra, principal comunicador por trás do sucesso da campanha do "Não". O ator consegue encapsular de maneira eficiente os sentimentos contraditórios que povoavam a mente e ações do publicitário, que passou anos nos Estados Unidos (na verdade sua família foi exilada) e que vê na ex-esposa militante um símbolo conflituoso dos ideais em debate. Saavedra não pretendia revolucionar nada, ele queria continuar vendendo seus comerciais americanistas de refrigerante. No entanto, convencido por uma lógica universal, percebeu naquele momento crucial que aquilo era a coisa certa a se fazer, principalmente tendo em vista o futuro de seu filho. E mesmo com medo de represálias, aceitou participar da liderança da campanha - foi sua dura insistência por um tom harmonioso e feliz dos vídeos que levou o "Não" a vitória, pois de nada adiantaria evidenciar o medo para uma população que já convivia com o sentimento. Sem hipocrisias, este protagonista realiza a surreal função de tornar vendável uma mensagem política esquerdista, mantendo sempre sua personalidade, sem se desviar dos conceitos capitalistas publicitários que lhe eram inerentes.

Em resumo: "No" é um dos melhores dramas políticos já feitos. É satisfatório saber que uma obra tão bem realizada como esta veio do Chile, país que não possui muita tradição cinematográfica. O tom documental visualmente estilizado é de uma criatividade rara, o roteiro exemplar vai fundo nos sentimentos mórbidos que dominaram a população durante o plebiscito, e a reconstrução histórica dos eventos é realismo puro. Este é um documento que certamente honra e traz orgulho a todos os envolvidos na campanha do "Não", e que fortalece uma válida mensagem política, uma história vitoriosa, que ficará gravada na mente de todos. Obrigatório.

PS: Com "No", o diretor Pablo Larraín completa uma trilogia de filmes inspirados na ditadura de Pinochet, sendo eles "Post Morten" e "Tony Manero".






No: Chile, França, EUA/ 2012/ 118 min/ Direção: Pablo LarraínElenco: Gael Garcia Bernal, Alfredo Castro, Antonia Zegers, Luis Gnecco, Pedro Peirano, Néstor Cantilana

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