Argo

Com "Argo", Ben Affleck mistura realidade e Hollywood de forma honestamente vendável. 

O motivo do sucesso de "Argo" parece claro: sua história real é relevante e, ao mesmo tempo, extremamente Hollywoodiana (entenda-se vendável). Esta interessante dualidade é um dos motivos que faz da fita um êxito perante a crítica internacional, não esquecendo de ressaltar os méritos da produção e direção de Ben Affleck - que por algum motivo ou outro não foi indicado ao Oscar 2013, uma falha grave pela qual a academia irá se ressentir até o último momento da cerimônia, mas eles preferiram chamar a atenção com a "Indomável Sonhadora", o que pra mim foi um erro tremendo.  

Bem, o roteiro foi adaptado dos livros "Master of Disquise", de Antonio J. Mendez (personagem que é protagonista) e no artigo de Josuah Bearman, "Escape from Tehran", redigido para a revista Wired. A história real nos revela como foi o processo de extração de seis americanos do Teerã. Eles trabalhavam na embaixada norte-americana da capital iraniana quando se viram encurralados por uma invasão de estudantes militantes islâmicos, que exigiam que seu ex-governante, Mohammad Reza Pahlavi (que se encontrava muito bem exilado nos EUA), fosse extraditado de volta ao país para ser julgado, condenado e enforcado. A revolta do povo xiita se inflamava ainda mais devido a participação americana no golpe de estado que colocou Pahlavi no poder. Um acordo em troca de petróleo - velhos costumes do Tio Sam.



O fato é que estes seis americanos conseguiram escapar antes da invasão dos estudantes, deixando pelo menos 50 parceiros de trabalho para trás. Assustados, eles se refugiaram na casa do embaixador canadense no Irã, e lá permaneceram por meses. Era preciso então bolar uma operação para retirar estes homens e mulheres do país, mas a situação estava complicada, tanto que planos absurdos surgiram no processo, como entregar bicicletas e mapas para os mesmos e deixá-los à própria sorte. No entanto, para a salvação da "inteligência" americana, o agente da CIA Tony Mendez teve a mirabolante ideia de simular um filme de ficção cientifica no país, para assim voltar com o grupo como se fossem uma equipe de filmagem canadense que estava averiguando locações. O plano parecia absurdo, mas era, como eles próprios citam no filme, "a melhor má ideia, de longe". Para oferecer autenticidade a ação, Mendez teve de ir a Hollywood, abrir uma produtora falsa e divulgar a produção aos quatro ventos. 

Temos então a base do roteiro de Chris Terrio, que acrescenta livremente muita licença poética à história, explorando também alguns relacionamentos dos personagens (esposas e filhos), incluindo os do próprio Mendez. No geral, o texto demonstra qualidades narrativas claras, principalmente quando edifica a personalidade dos envolvidos, acrescentando sabiamente um humor leve para aliviar a tensão, que acreditem, é imensa - é realmente digno de aplausos o nervosismo criado pela trama, sendo que, mesmo sabendo o que vai acontecer, a audiência é retorcida por uma agonia genuinamente instigante.



E não podemos mais dizer que a direção de Ben Affleck surpreende, pois ele já provou ser um ótimo cineasta há dois filmes atrás. Logo no início, sua condução já mostra à que veio: por meio de story boards, ele apresenta o contexto histórico da obra. Depois, com uma excelente cena inicial de invasão, monta o cenário inóspito em que seis pessoas estão perdidas, um lugar onde enforcam até mesmo compatriotas que tenham nomes de americanos em suas agendas. Estranhos em uma terra estranha.

Sem optar por tentativas batidas de tornar a fita um filme de ação, Aflleck realiza uma condução arrojada, que não se perde por segundo algum. Cena após cena percebemos a construção perfeita da história, que valoriza seus interessantes personagens (em especial aqueles que ganham a vida em Hollywood). A parte técnica se destaca na montagem, edição e trilha sonora, elementos que ajudam a criar a tensão exponencial de que falei. Nos créditos finais, Affleck ainda se gaba ao comparar algumas fotos reais do incidente às cenas que foram retratadas no filme - podemos perceber que a veracidade visual foi importante para produção (pelo menos aquela que foi captada por câmeras fotográficas e de vídeo). Enfim, um trabalho meticuloso e maduro para um diretor que está apenas começando sua carreira na função.



E para alcançar a dinâmica oferecida aos personagens, foi reunido um elenco competente. O núcleo Hollywodiano traz Alan Arkin como o desbocado produtor Lester Siegel, e John Goodman na pele do especialista em maquiagens John Chambers. Auxiliando a extração diretamente de Langley (sede da CIA), vemos o sempre visceral Bryan Cranston (protagonista da série "Breaking Bad") como Jack O'Donnell, e no grupo em perigo, os destaques são Scoot McNairy, como o temeroso Joe Stafford, e o próprio Ben Affleck, que entrega uma interpretação eficiente, revelando um homem inteligente, contido, que controla seu nervosismo, mas não o esconde, e que também se encontra incomodado com a situação atual de seu casamento - que envolve uma possível separação e um consequente afastamento do filho.

Em resumo: "Argo" merece todo o barulho a sua volta. É um longa excepcional, tem um ótimo roteiro, uma direção atenciosa, um elenco entrosado, uma trilha sonora composta por rocks setentistas (o que lhe dá pontos instantâneos) e que além de tudo conta uma história real boa demais para ser verdade, que obrigatoriamente merecia uma adaptação contundente - e foi exatamente isso o que aconteceu. A narrativa inspirada - mesmo que rebuscada em alguns momentos - nos faz compreender perfeitamente a tensão que aquelas seis pessoas passaram no Teraã. Recomendado. 

PS: Argo fuck yourself!





































ArgoEUA/ 2012/ 120 min/ Direção: Ben AffleckElenco: Ben Affleck, Bryan Cranston, Alan Arkin, John Goodman, Victor Garber, Tate Donovan, Clea DuVall, Scoot McNairy, Rory Cochrane, Christopher Denham, Kerry Bishé, Kyle Chandler, Chris Messina, Zeljko Ivanek, Titus Welliver, Omid Abtahi

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