O Mestre (The Master)

Em "O Mestre", Paul Thomas Anderson demonstra com perfeição como se beneficiar da angústia alheia.

Angústia é o mote central de "O Mestre". Apesar do diretor Paul Thomas Anderson utilizar diferentes tópicos para explorar o sentimento, percebemos que é nesta devastadora condição humana que se encontra a mensagem da obra, ou mesmo falta dela. 

A história nos apresenta dois homens: Freddie Quell, um marinheiro veterano da segunda guerra sem rumo e sentindo no mundo, e Lancaster Dodd, líder de uma pseudo religião chamada A Causa. Os dois se conhecem por acaso, e tentam arduamente - utilizando recursos falidos, embasados por uma possível ligação espiritual - se convencer de que juntos são melhores. Enquanto o soldado falha miseravelmente em tentar compreender seus defeitos e dilemas - um reflexo direto da ignorância doentia perpetrada pela guerra e por anos de bebedeiras pesadas (sua alquimia comprovadamente venenosa)-, o mestre tenta crer que tem as respostas que iluminam tais incompreendidos, mesmo que seja desacreditado por todos no processo.

Anderson faz de A Causa uma espécie de retrato desfigurado da "Cientologia" - religião fundada em 1952 por L. Ron Hubbard, que ficou famosa quando astros de Hollywood como Tom Cruise e John Travolta se revelaram adeptos da mesma. As referências do diretor são fortes, principalmente quando ele insere no filme uma alusão clara aos livros que servem de alicerce a Cientologia da "vida real", intitulados "Dianética: A Moderna Ciência da Saúde", "Dianética: A Evolução da Ciência" e "Ciência da Sobrevivência".

É interessante perceber que o roteiro trata a seriedade da religião ficcional de forma dúbia. Enquanto temos profundas regressões de um lado, em outro vemos grupos em uma óbvia sessão de lavagem cerebral, que tenta lhes convencer de que não são animais bestiais e que possuem o controle sobre a negatividade que parece inerente a todo ser humano (angústia). 

Já quando Lancaster tem suas ideias questionadas ou mesmo cientificamente refutadas, ele logo trata de lançar frases aleatórias, de teor tecnocrata e de resoluções absurdas. Seus tratamentos, em especial os que envolvem Quell, não possuem sentido algum, e quando se finalizam, não concretizam nada - mesmo assim, compelido pelo carisma do mestre, Quell se torna um membro importante da Causa, que instintivamente se mostra intimidador com aqueles que tentam difamar sua nova unidade.



Tecnicamente, Anderson mais uma vez apresenta sua visão concisa de como fazer cinema com perfeição: travelings devem ser necessários e não meros adornos, ângulos e enquadramentos precisam ser inventivos, e cenas necessitam de espaço e poesia para funcionar, elas devem narrar o inenarrável, algo que vá além da própria compreensão do público. 

Outro elemento literalmente fantástico do longa é a trilha incidental de Jonny Greenwood, que parece ter sido retirada de um cartoon antigo extremamente bizarro e surreal. Com voltas e mais voltas orquestradas e rebuscadas, o tom funesto da obra se fortalece com ela, fazendo da mesma uma peça fundamental. Na verdade, toda a produção do filme, em especial a sonoplastia e efeitos sonoros, são importantíssimos (devido, por exemplo, ao silêncio que se faz constante). Figurinos e cenografia seguem pelo mesmo caminho de relevância e excelência, criando uma ambientação impecável dos anos 50.



E diante de um casting formidável como de "O Mestre", me pergunto se o texto obrigatoriamente autoral de Anderson funcionaria de maneira tão exemplar - são eles, os atores, que fazem desta história algo absurdamente real. "O Mestre" é um trabalho que se torna físico, que não simula tapas ou chaves de braço. O elenco, em determinados momentos, simplesmente troca pontapés honestos, e o indivíduo mais exaltado desta roda é sem sombra de dúvida Joaquin Phoenix.

Como disse no começo, o mote central deste filme é a angústia humana, e não existe ator mais angustiado ou angustiante do que Phoenix (quem viu o autodestrutivo "I'm Still Here" sabe bem do que estou falando). Seu Freddie Quell é árido, retorcido, uma introspecção mal educada que se reflete até mesmo em sua postura arqueada e aparentemente frágil. Palavras saem com dificuldade de sua boca torta, como se escapassem involuntariamente, e os olhos nem ao menos se abrem com eficiência, devido ao excesso de álcool no sangue. 

Sua risada nervosa e mecânica demonstra a espécie de pessoa que Quell é: daquelas que aprisionam demônios, que não conseguem ser doutrinadas devido a uma sociopatia quase natural, que são perturbadas pelo sexo doentio, que não conseguem ceder, que fogem da felicidade por ter certeza que irão destruí-la, que sofreram muito na vida, que mataram, morreram, e perderam todos aqueles que tentaram lhe amar. Quell é incapaz de seguir a um mestre, por mais carismático e sedutor que ele seja, e isso de longe é culpa dele, ele é um produto do mundo - e todos nós sabemos que existe algo de errado com o mundo. Ele é uma bebida forte que mistura tíner, combustível e qualquer outra coisa venenosa que entorpeça. 



No elenco temos outras interpretações colossais, como da bela Amy Adams, que faz de Peggy Dodd uma peça fundamental para a acensão intelectual e social do marido Lancaster Dodd, este por sua vez interpretado por Philip Seymor Hoffman, ator que simplesmente nos faz esquecer quem é ele. Uma performance genial de fato. Hoffman consegue criar um sujeito de infinitas qualidades e defeitos, extremamente complexo, e mesmo assim, nos esquecemos que é ele que está ali atuando - é engraçado perceber que, com Phoenix, é exatamente o contrário: em momento algum você esquece que Freddie Quell é Phoenix, o que gera um sentimento ainda mais assustador.

No final, podemos dizer que "O Mestre" é uma lição de como alguém pode usar a aflição do próximo em benefício próprio. Lancaster Dodd usa a personalidade angustiada de Freddie Quell para escrever seu livro sobre como explorar lidar com a bestialidade humana, com suas depressões e tristezas. Ao mesmo tempo, Paul Thomas Anderson usa a angústia de Joaquim Phoenix para construir um personagem memorável, alguém tão crível que de agora em diante realmente existe dentro do intérprete. E Phoenix, por sua vez, usa a todos como bem entende, dá a volta por cima em Hollywood e cala aqueles que diziam que o mesmo estava acabado. De forma estranhamente ignorante sábia, ele parece se regojizar do que faz... ou não. Mas infelizmente, algum mal a de surgir de algo tão perturbador.

Diante da acensão de igrejas no Brasil e no mundo, e do bilionário mercado que isso se tornou, podemos dizer que uma das mensagens de "O Mestre" para nós brasileiros é: angústia vende!

Curiosidade: Quando Paul Thomas Anderson perguntou para Philip Seymor Hoffman qual ator deveria interpretar Freddie Quell, Hoffman sem pestanejar respondeu Joaquin Phoenix. E quando foi questionado pelo o diretor do porque da indicação, o mesmo respondeu: "porque ele é o único ator do qual eu tenho medo".





















O Mestre/ The MasterEUA/ 2012/ 144 min/ Direção: Paul Thomas AndersonElenco: Joaquin Phoenix, Amy Ferguson, W. Earl Brown, Philip Seymor Hoffman, Amy Adams, Jesse Plemons, Ambyr Childers, Rami Malek, Jillian Bell, Madisen Beaty, Laura Dern

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