Com "A Hora Mais Escura", Kathryn Bigelow abraça o militarismo americano como tema predileto, e explora de maneira simbólica o existencialismo patriótico.
Deixando de lado o tom melancólico do laureado "Guerra ao Terror", Kathryn Bigelow decidiu retratar com "A Hora Mais Escura" os bastidores da caçada ao terrorista que, no passado, foi considerado o mais procurado do planeta: o saudita Osama bin Laden. Baseado em informações tidas como oficiais, a produção nos revela detalhadamente os passos da investigação que culminou na morte do líder e fundador do Al-Qaeda. Na ficção, esta operação da inteligência americana é encabeçada pela agente conhecida apenas como Maya.
O roteiro de Mark Boal (outro entusiasta do tema, que trabalhou com Bigelow em "Guerra ao Terror") não perde tempo rebuscando em demasia sua trama. Em resumo, somos apresentados a personagens enigmáticos, que inevitavelmente fortalecem aquela áurea lendária que gira em torno de teorias da conspiração e espionagem militar. Na verdade, tudo que vemos é a exemplificação do que teria sido o encontro destas pessoas, quais foram os sistemas de tortura usados por elas, quem elas torturaram, porque, ou mais especificamente, por quem. Alguns destes "soldados" perderam a vida em emboscadas, enquanto outros se cansaram de arrastar homens nus como cães – artifício de degradação humana (de mente e espírito) que depois foi condenado pela mídia.
O texto nos apresenta de maneira autônoma esta investigação, e toda a burocracia por trás das ações do exército, com suas equações variáveis que exigem porcentagens aceitáveis mediante certo ataque, mesmo que tudo aponte para algo sólido (e ainda assim, eles erram constantemente). A cronologia da obra, que liga outros conhecidos atentados na mesma história é complexa, detalhada e de fato excepcional. Por mais que em alguns momentos nossa linha de raciocínio se embaralhe, percebemos que a missão também se encontra em um beco sem saída. Vale ressaltar que o roteiro da obra teve de ser completamente refeito com a morte de bin Laden. Inicialmente os realizadores pretendiam abordar os esforços e estratégias (talvez erradas) adotadas na tentativa de capturar o terrorista, mas acabaram surpreendidos pela ação bem sucedida do exército americano no dia 2 de maio de 2011.
Para humanizar a frieza documental de "A Hora Mais Escura", Bigelow escalou a belíssima Jessica Chastain como sua protagonista Maya. A atriz, de longos cabelos ruivos, já afirmou ter lutado por anos a fio em busca de uma chance em Hollywood, sendo que hoje ela demonstra o talento necessário para interpretar a complicada personagem que, mesmo não possuindo alma própria (ela é consumida por sua causa), demonstra um brilho interior singular. Retratando muito bem a evolução obstinada da agente, Chastain faz de um desfecho óbvio algo dilacerante - o patriotismo existencial da mulher viria a se tornar uma lacuna provavelmente impossível de ser preenchida.
No restante do elenco temos uma mistura de atores em ascensão ou já estabilizados. Entre os destaque estão: Mark Strong ("Kick Ass"), James Galdolfini ("Família Soprano"), Jason Clarke (do recente "Os Infratores"), Kyle Chandler ("Super 8"), Jennifer Ehle ("Tudo pelo Poder"), o fanfarrão Chris Pratt (da série "Parks and Recreation") e Joel Edgerton (do excelente "Guerreiro"). É necessário pontuar que, eficientemente, a direção centrada no roteiro não abre espaço largos para erros de atuação.
As opções cinematográficas da diretora em "A Hora Mais Escura" são de uma seriedade impressionante. Dessa vez ela não opta por momentos visualmente poéticos - como vistos em seu filme anterior -, e faz isso para enfatizar a austeridade da história que esta contando. Na questão técnica, as edições de imagem e som são os destaques que dinamizam e ambientam com perfeição o espírito da produção, alicerçado pela sensação orgânica das steadicams, que se revelam fundamentais para que a obra funcione da forma esperada.
O trabalho de iluminação completa os acertos, sendo a mesma extremamente escassa (e verossímil) em determinados momentos - em especial na última missão, definitivamente a hora mais escura. Esta cena em questão impressiona pelo realismo alcançado, que causa tensão, mas não exatamente oferece um clímax. A diretora não quis nos presentear com sangue, este não era seu propósito - por isso não vemos mortes coreografadas, nem nada disso. Os silenciadores suspiram poucos tiros e tudo está finalizado.
Em resumo: "A Hora Mais Escura" apresenta uma história concisa, pois não apela para ação ou desvios melodramáticos e românticos de nenhuma espécie. Este é um thriller militar importante, um verdadeiro documento que deve ser visto. Ele é sucesso por oferecer uma forte personagem feminina como protagonista (algo raro na Hollywood de hoje), um texto amarrado com perfeição pelo roteirista Mark Boal, e um trabalho primoroso de Kathryn Bigelow na direção, que por alguma razão incompreensível não foi indicada ao Oscar 2013 da categoria - fato que, unido a não indicação de Ben Affleck pela direção de "Argo", demonstra muita inconsistência da cerimônia este ano.