Sound City

"Sound City" é um tributo de Dave Grohl a um dos mais honestos estúdios de Rock do planeta.

Para começar esta análise é preciso dizer que, infelizmente, o lendário estúdio Sound City já fechou suas portas. Como um verdadeiro símbolo, ele tombou diante do imediatismo da música atual, que tornou tudo mais fácil, comercial e bem menos interessante. No documentário "Sound City", o músico e (pela primeira vez) diretor Dave Grohl (Nirvana, Foo Fighters), além de prestar uma sincera homenagem, também realiza uma espécie de tributo pessoal ao mítico local de pura criação.  

O grande mérito (e maldição) do Sound City foi sua honestidade. A primeira vista o lugar não parecia muito coisa, e sua localização era bem estranha (em Van Nuys, na Califórnia, ao lado de uma fábrica da Budweiser, sendo o cheiro podre do lúpulo um cartão postal das bandas). Ele era sujo e mal organizado, do tipo onde se apagava bitucas no chão e ninguém se importava em derramar uísque. Mas como disse, o estúdio era honesto, e sua maior batalha foi tentar permanecer no ramo da música, mesmo com toda sua autenticidade. 

No anos setenta o Sound City ganhou sua maior relíquia, uma Mesa Neve fabricada de maneira artesanal pelo engenheiro alquimista Rupert Neve. A peça é descrita como sendo algo de fora deste planeta, feita para captar tudo com uma perfeição simétrica, milimétrica...  e no caso da batera, destruidora. Toda essa perfeição tecnológica (analógica) exigia qualidade por trás dos microfones, pois a Neve não mentia nunca, ela apenas contava a mais pura verdade.

Diante destes elementos, o documentário pontua então as quatro fases distintas do Sound City, basicamente dividas por décadas. Nos anos setenta, com a chegada da Neve, formações clássicas de bandas ganharam forma no estúdio, sendo a icônica Fleetwood Mac uma das mais importantes, pois a mesma ajudou a alavancar os negócios, que se tornariam prósperos.



Só que mesmo depois de trabalhar com grandes nomes  (como Neil Young, Tom Petty, Cheap Tricky, Santana, Rick Springfield, Barry Manilow, Dio - que gravou "Holy Diver" por lá), o estúdio se viu esquecido, ofuscado pelo brilho irritantemente forte da revolução musical dos anos 80, com seus sintetizadores e baterias eletrônicas (comprovadamente as piores invenções da história da música). Esta década foi uma página em branco para o Sound City, que gravou pouquíssimos álbuns, ainda sim relevantes - naquele momento o Heavy Metal despontava como uma força aniquiladora na Europa, deixando para os EUA a sua mais vergonhosa herança musical. 

Já nos anos 90 todos queriam voltar as origens, para assim esquecer o laquê e o visual exagerado das bandas de Hard Rock farofa que dominavam o cenário. A resposta natural a esta extravagância desnecessária foi a crueza visceral do Nirvana, que unida a honestidade do Sound City gerou um dos melhores discos de todos os tempos: "Nevermind". Depois desse sucesso, o estúdio ganhou forças novamente e gravou mais alguns álbuns memoráveis de bandas como Rage Against The Machine (primeiro disco homônimo), Red Hot Chilli Peppers, Rancid, Tool, Weezer, Queen of Stone Age, Slipknot, Bad Religion, Perfect Circle, Nine Inch Nails, Wolfmother, Elvis Costello, Kid Rock, Metallica ("Death Magnetic"), Artick Monkeys... até mesmo Carl Perkins gravou lá em 96, mesmo ano em que Johnny Cash também gravou no estúdio seu clássico "Unchained". Praticamente um local sagrado.



Mas na virada do século o Sound City foi reduzido a peça de museu com a ascensão da era digital - a revolução causada pela chegada dos CDs e do Pro Tools fechou mais da metade dos estúdios de gravação do mundo inteiro, qualquer um poderia gravar o próprio disco em casa a partir daquele momento. Devido a essa facilidade, foi simplesmente impossível fugir do formato, que nunca se tornaria o conceito do Sound City, que se orgulhava de ainda gravar, cortar e emendar suas fitas. Obviamente a era digital trouxe seus pontos positivos, mas desalmou o mercado musical, que já não possuía caráter - nunca possuiu.

Para Dave Grohl o estúdio era muito importante. Foi por causa dele (mais especificamente da fidelidade sonora da Mesa Neve) que "Nevermind" alcançou seu potencial máximo, ocasionando assim um sucesso estratosférico para o Nirvana e consequentemente sua carreira. Então, como um desfecho emblemático para a história, ele resolveu reunir alguns dos caras que gravaram no Sound City, e assim lapidar um disco de inéditas que emulasse aquele "feeling" único do estúdio, quando ideias de verdade estavam por trás dos riffs de guitarra, por trás das letras cantadas. 

No final, "Sound City" fala disso acima de tudo, da importância de se manter a humanidade da música, de reunir pessoas em um local para que algo único surja por acaso, de misturar identidades, para que um resultado improvável culmine de forma poética, orgânica. Hoje um sujeito pode gravar em casa um disco de "sucesso" sozinho, tocando todos os instrumentos. Para alguns pode parecer revolucionário, para outros isso não tem graça nenhuma.



E para tornar este novo disco uma ocasião realmente especial, Grohl chamou aquele que foi sua grande inspiração musical, o ex-Beatle Paul McCartney, para gravar um som com o Nirvana, por assim dizer - e foi então que nasceu a já conhecida "Cut Me Some Slack". O músico ressalta de maneira contemplativa a importância dos Beatles para a história da música, e afirma que realizou uma espécie de fechamento de ciclo ao tocar com um daqueles que fundamentaram as regras do Rock 'N' Roll, gravando isso na Mesa Neve que fez de "Nevermind" um sucesso. 

Em resumo: O documentário "Sound City" é imperdível! Para os amantes da boa música - entenda-se Rock 'N' Roll e derivados - é simplesmente obrigatório. A fita foi surpreendentemente bem conduzida por Grohl, que ofertou uma edição atraente, uma ótima montagem cronológica da história que se propôs a contar, entrevistas empolgantes com astros e peças importantes da engrenagem do Sound City, e um roteiro impecável de Mark Monroe (do excelente "The Cove"), contendo passagens inspiradas. Um tributo digno.



Sound City: EUA/ 2013/ 108 min/ Direção: Dave GrohlElenco: Vinny Appice, Joe Barresi, Brian Bell, Frank Black, James Brown, Lindsey Buckingham, Mike Campbell, Tim Commerford, Kevin Cronin, Rivers Cuomo, Warren Demartini, Mike Fleetwood, John Fogerty, Neil Giraldo, Christopher Allen Goss, Taylor Hawkins, Peter Hayes, Joshua Homme, Rami Jaffe, Alain Johannes, Barry Manilow, Paul McCartney, Steve Nicks, Rick Nielsen, Krist Novoselic, Tom Petty, Trent Reznor, Keith Olsen, Paula Salvatore, Ross Robsinson, Shivaun O'Brien, Tom Skeeter, Corey Taylor, Pat Smear, Lars Ulrich, Rick Springfield, Butch Vig, Lee Ving, Brad Wilk, Pat Wilson

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