O poder das imagens do mestre Stanley Kubrick vão além de nossa mera compreensão. Diante deste fato óbvio, o diretor Rodney Ascher resolveu investigar profundamente as teorias por de trás daquele que é considerado um dos maiores clássicos de horror de todos os tempos: "O Iluminado". Nasceu então o documentário "Room 237"
Para muitos, a história de loucura e assassinato é uma mera fachada para mensagens que Kubrick queria imortalizar, mesmo que subliminarmente. Na "superfície", temos então uma família isolada por uma nevasca no misterioso Hotel Overlook, que foi construído sob um cemitério indígena. Afetado por forças sobrenaturais do local, o patriarca Jack Torrance (Jack Nicholson) entra em um frenesi psicótico, e começa a perseguir sua esposa e filho a fim de matá-los brutalmente.
Tendo como base este enredo - que foi adaptado do livro homônimo de Stephen King -, observações e teorias são feitas de maneira instigante, construindo assim uma espécie de crítica/análise do longa. Algumas são absurdas demais para serem levadas a sério, enquanto outras se mostram assustadoramente plausíveis.
Entre as muitas discussões, temos a crível possibilidade de que o diretor, a todo momento, introduzia elementos de temática indígena nos cenários afim de criticar o genocídio da raça nos EUA. Outra tese afirma categoricamente que o Quarto 237 é uma referência a famosa "lenda" de que Kubrick filmou o pouso na lua - entre muitas "evidências", o argumento ganha uma estranha força pela fato de Danny estar usando uma camisa que estampa um foguete com os dizeres "Apollo USA".
Temos também interessantes observações a respeito de visíveis "erros" de continuidade que, se tratando de Stanley Kubrick, parecem simplesmente improváveis (o perfeccionismo do diretor beirava a loucura). Objetos somem misteriosamente de um take para o outro, e até mesmo a máquina de escrever muda de cor em determinadas cenas.
A geografia insana que o diretor desenhava para o hotel é igualmente intrigante, com Danny realizando percursos impossíveis em seus passeios de velotrol. Em alguns momentos, personagens entram em um determinado quarto e quando saem estão em outro lugar. Além da misteriosa janela no escritório do gerente Stuart Ullman, que não deveria existir, e mesmo assim, porque existe?
Mas a investigação não para por aí. Toda a decoração dos ambientes é analisada, como os icônicos carpetes dos corredores e do salão de festas The Gold Room. Números aparecem repetidamente, personagens podem ser alter-egos... Tudo tem um aparente significado subliminar.
Em resumo: diversas teorias são expostas - nazismo, sexo, o passado da humanidade -, mas talvez a mensagem mais clara seja a do fusca vermelho, destinada diretamente para Stephen King. O fato é que Kubrick remodelou completamente a obra de King - no livro, nem ao menos existe um labirinto. Querendo então demonstrar que a história tem um novo dono (ou algo do tipo), o diretor alterou a cor do fusca do início para amarelo, sendo que originalmente ele era vermelho. Mais tarde, na cena em que Dick Hallorann enfrenta a nevasca para chegar ao hotel e ajudar Danny, ele se depara na estrada com um acidente envolvendo uma caminhão, que acabara de esmagar um fusca vermelho. Com essa sequência, os mais céticos tem a prova contundente de que Kubrick embutiu sim mensagens em seu filme. Ele meio que disse para King: "seu fusca vermelho não chegou ao destino final... HAHA!".
A produção de "Room 237" é de baixíssimo orçamento - tudo parece mais um programa de rádio. Visualmente, o documentário é um apanhado de imagens de diversas obras, em especial de Kubrick, que servem para complementar ou corroborar uma analogia ou tese que está sendo esmiuçada. Temos, por exemplo, cenas que foram filmadas de forma semelhante ao longo da carreira do diretor, ou trabalhos prévios dos atores, que de uma forma ou de outra se ligam ao personagem que interpretam em "O Iluminado".
A qualidade de algumas imagens é ruim, e o áudio também não é dos melhores - temos um hilário momento em que, ao fundo, é possível ouvir o filho de um dos entrevistados gritando, e o mesmo diz: "você está ouvindo meu filho gritando? Aguarde um minuto por favor, vou falar com ele". Estes "especialistas", que discursam suas mais variadas análises, tem apenas o nome divulgado, omitindo assim seu background ou trabalho atual - com uma rápida pesquisa descobre-se que são, na maioria, jornalistas, professores, escritores e pesquisadores.
Porém, como foi dito no início, todas as ideias exploradas são tremendamente instigantes. A mórbida trilha incidental cria um clima perturbador, que lembra o sentimento fúnebre de "O Iluminado". Uma estranha sensação de desconforto acompanha a audiência até o final do longa, e traz à tona uma espécie autêntica de medo, que traduz nossa suscetibilidade ao desconhecido e nossa impotência perante um simbolismo inquietante.
Um dos entrevistados disse ter lido em uma famosa resenha que "O Iluminado" é um filme que pode ser visto tanto para frente como para trás - isso devido as inúmeras cenas em que os personagens andam de costas, ou mesmo palavras são escritas e pronunciadas de forma invertida. Pensando nisso, o sujeito assistiu a fita de trás para frente, mas com ela sobreposta ao filme em tempo normal, e o resultado gerou imagens e coincidências no mínimo perturbadoras.
Para os entusiastas, "Room 237" é mais que obrigatório, é simplesmente hipnotizante.
Para os entusiastas, "Room 237" é mais que obrigatório, é simplesmente hipnotizante.