A carreira de Steven Soderbergh é definitivamente uma das mais versáteis de Hollywood. Mesmo apostando alto em ideias ousadas, a receptividade de seus trabalhos - na maioria das vezes pelo menos - acaba sendo positiva.
Por exemplo: o cara trouxe a atriz pornô Sasha Grey para o mainstream cinéfilo com "Confissões de uma Garota de Programa", fez da lutadora de MMA Gina Carano a protagonista de seu explosivo "A Toda Prova", demonstrou de maneira factual como o mundo desmoronaria diante de uma epidemia em "Contágio", transformou o remake do clássico "Onze Homens e um Segredo" em uma franquia de sucesso, realizou uma análise completa da vida de Che Guevara em "Che: Part One" e "Che 2: A Guerrilha", e no pequenino "Bubble", escalou apenas não atores, que após participarem da obra abandonaram a carreira. É sério, todos os atores creditados no filme nunca atuaram em nada antes, e nem depois. Esse é o tipo de excentricidade que alavanca a popularidade de Soderbergh.
Em um de seus mais recente lançamentos, "Terapia de Risco", o diretor novamente entrega a tal versatilidade. Isso se deve ao fato dele dividir a história do longa em partes completamente distintas, que consequentemente possuem linguagens completamente distintas - é um artifício maluco, utilizado por poucos. Manter o andamento de uma produção tradicional já é um grande desafio, agora ousar transmutar praticamente tudo dentro dela (gênero, trama, personagens), e mesmo assim manter o ritmo, é algo digno de aplausos.
Fica difícil explicar o enredo de "Terapia de Risco" sem liberar algum spoiler, por isso, infelizmente, terei de ser vago. O filme começa como um drama pesado, que explora a fundo os efeitos da depressão e o que ela pode causar em uma pessoa. Para tratar esta praga que assola o novo século, existem os mais diversificados remédios tarja preta no mercado, e estes são esmiuçados de maneira didática pelo roteiro preciso de Scott Z. Burns, outro responsável direto pelo sucesso da fita. Resumidamente, temos o primeiro ato.
Já no segundo e terceiro ato o clima muda drasticamente, junto com todos os personagens. O filme ganha um caráter de thriller criminal, cheio de surpresas e reviravoltas inacreditáveis. O final, ironicamente, vai contra quase tudo já feito no gênero, o que mais uma vez se revela uma ousada opção do realizador. Mesmo sendo exagerada ou improvável, a trama não deixa de ser inteligente, e faz com que o telespectador pense e discuta sobre seus argumentos mesmo depois do filme ter acabado. E como isso é bom.
Os protagonistas se revezam no centro da história. Primeiramente temos o foco voltado para a interpretação visceral de Rooney Mara como a apática Emily Taylor. A atriz - que chamou a atenção do mundo em "Millennium - Os Homens que Não Amavam as Mulheres" - consegue descrever com fidelidade o tormento da jovem e bela garota que sofre de uma severa depressão, proveniente do mal funcionamento da química de seu cérebro. Emily vive a beira do abismo, e se torna uma potencial suicida.
No segundo ato é a vez do britânico Jude Law se tornar o alvo das atenções com o Dr. Jonathan Banks. Mesmo sendo um profissional respeitado e tudo mais, sempre achei Law um pouco repetitivo, teatral em demasia, mas aqui o ator se destaca do resto do elenco. Ele consegue balancear de maneira envolvente a coesão e obstinação de seu personagem, e no final, prepara o terreno com perfeição para as alterações vertiginosas ao redor do mesmo. Apoiado por um excelente texto, ele realiza um excelente trabalho.
Cathrine Zeta-Jones se reinventa no longa como a Dr. Victoria Siebert, um papel complicado que atriz encarou com muito empenho. A participação de Channing Tatum como Martin Taylor (marido de Emily) também funciona bem, apesar de ter menor importância em caráter interpretativo.
Em resumo: "Terapia de Risco" é obrigatório. Steven Soderbergh consegue multiplicar todos os sentidos daquilo que diz e faz no filme. Em termos de roteiro, temos não só uma análise apurada do voraz mercado capitalista farmacêutico - que associa, por exemplo, seus anti-depressivos com uma imagem de felicidade irreal -, mas também vemos expostos os limites da condição humana quando empenhada em conquistar espaço e recursos, mesmo que para isso seja preciso passar por cima de tudo e todos. No entanto é necessário lembrar que para toda ação perpetrada existe um efeito colateral.
Só que o grande mérito da obra está na virtuosidade narrativa de Soderbergh. Ele oferta um classicismo autoral incrível com suas cenas, misturando influências e experiências de maneira primorosa. O cara constrói um dinamismo inabalável para sua trama, conectando tudo de forma concisa e ousada. Como disse no início, sua versatilidade é gritante. No final, fica a sensação de que tudo no longa poderia ter dado muito errado se tivesse sido conduzido por qualquer outro cineasta.
PS: Soderbergh disse que iria se aposentar como diretor em breve. Ele já completou seu novo filme para TV "Behind the Candelabra" - que conta a história do famoso pianista Liberace (Michael Douglas) e seu amante Scott Thorson (Matt Damon) -, e não tem nenhum outro projeto programado para este ano. Mesmo parecendo ser verdade este anúncio de aposentadoria precoce, prefiro pensar que o cara está tirando umas férias.
Terapia de Risco/ Side Effects: EUA/ 2013/ 106 min/ Direção: Steven Soderbergh/ Elenco: Rooney Mara, Channing Tatum, Jude Law, Cathrine Zeta-Jones, Vinessa Shaw