Segredos de Sangue (Stoker)
por
Ronaldo D'Arcadia
#Sensorial e Perturbador
Explorando a hereditariedade da psicopatia, o diretor sul-coreano Park Chan-Wook novamente acerta com Segredos de Sangue, sua primeira produção americana depois de ter conquistado crítica e público com os orientais Zona de Risco, Oldboy, Lady Vingança, Mr. Vingança, I'm A Cyborg, But That's Ok e Sede de Sangue. Mesmo com a mudança de continente, é possível perceber que Park não abriu mão da essência de sua linguagem, e sua veia oriental é sentida vividamente.
Tendo como foco a família Stoker, acompanhamos os acontecimentos que se dão após a morte acidental do patriarca Richard Stoker. O luto da esposa Evelyn e sua filha India é abruptamente invadido pela presença de Charles Stoker, enigmático irmão de Richard. Ele se hospeda na casa da viúva sem cerimônias, e desse estranho triângulo forçado surgem os tais segredos de sangue do qual o título fala.
A meticulosidade é uma das marcas registradas de Park. Em todos seus trabalhos é possível perceber o extremo cuidado e atenção na elaboração de cada tomada, a movimentação inteligente de sua câmera, a composição perfeita de longas cenas sem cortes. Em Segredos de Sangue isso não foi diferente. Tecnicamente, podemos dizer que a fita é arrasadora. A fotografia é fria e dominante, a paleta de cores (como sempre bem específica) serve então como um contraste belíssimo. Transições e travellings são minuciosamente orquestrados.
Talvez a maior adição ao leque de qualidades invejáveis do diretor sul-coreano tenha sido o enfoque preciso na sonoridade. Uma sonoplastia impecável faz com que um pequeno detalhe ganhe força narrativa, tornando a experiência, acima de tudo, sensorial e auspiciosa. A respiração ofegante da protagonista India, ouvida no interior de uma taça de vinho, revela muito mais do que apenas o prazer de degustar uma safra de 1994, ironicamente o ano em que ela nasceu.
Diferente de seus trabalhos anteriores, Park não roteirizou Segredos de Sangue. O texto ficou a cargo de Wentworth Miller, ator que é reconhecido principalmente por sua participação na série Prison Break (o que não deixa de ser uma grande surpresa). Conduzindo o público de maneira cativante pela trama, Miller se revela talentoso no ofício, e apesar de certa lentidão no primeiro ato, o desenvolvimento no geral é eficiente, sendo o simbolismo e a dualidade de significados (quase sempre carregados de conotações sexuais) o alicerce dos melhores diálogos.
Nicole Kidman, com sua beleza quase mórbida, é a vitimizada e ao mesmo tempo vilanesca Evelyn Stoker. Apesar de não exalar maldade em sua mais pura forma, o egocentrismo da personagem a torna digna de desdém. Matthew Goode, que interpreta o misterioso tio Charles Stoker, por vezes exagera na falta de empatia, o que lhe confere um ar robótico de tempos em tempos. Por fim, Mia Wasikowska consegue manter alto o status da produção como a protagonista India Stoker. A garota, que parece desconectada da realidade em que vive, passa por transformações bruscas e reveladoras, e o trabalho centrado de Wasikowska convence o tempo todo.
Em resumo, Segredos de Sangue não é o melhor trabalho de Park Chan-Wook, mas ainda sim é um filme acima da média - tecnicamente apurado, narrativamente preciso, que mistura bem fetiche e suspense. Mesmo com certa morosidade inicial, desafiando a afeição da audiência, o visual arrojado e a sensação de imersão fazem valer cada minuto. Recomendado.
Segredos de Sangue/ Stoker: Reino Unido, EUA/ 2013/ 99 min/ Direção: Park Chan-Wook/ Elenco: Mia Wasikowska, Nicole Kidman, Mattew Goode, Harmony Korine, Phyllis Somerville, Alden Ehrenreich, Jacki Weaver, Dermot Mulroney