Antes de começar esta análise, uma coisa muito importante precisa ser dita: é impossível, por vezes, não achar ridículos os títulos adaptados no Brasil, pelo menos na última década. Mesmo que o infame "Amor Bandido" tenha, REMOTAMENTE, algo a ver com a trama, o nome escolhido é simplesmente mentiroso, vendido e errado. Esta opção marqueteira com certeza afastará boa parte do público que busca filmes de qualidade. Uma lástima. Devido a isso, vou usar o título original da produção, "Mud".
Estamos falando aqui da nova fita do exímio diretor e roteirista Jeff Nichols, que inicialmente demonstrou suas qualidades com os ótimos "O Abrigo" e "Shotgun Stories".
"Mud" surpreende. Mas não pela temática - enraizada nos costumes e filosofias do americano sulista -, e nem pela incrível história - que nos fala de amor, inocência e desilusão de maneira dilacerante. O principal motivo do êxito de "Mud" é seu elenco. Ele não poderia ser melhor.
Na história acompanhamos o improvável pacto de amizade entre Ellis, Neckbone e Mud. Os primeiros são dois jovens amigos inseparáveis, típicos caipiras americanos que experienciam a vida de uma maneira mais dura e real. O terceiro é um sujeito estranho, cheio de crendices e muito suspeito, que vive temporariamente no barco preso em cima da árvore de uma ilha pouco visitada. Ele parece estar fugindo, e ao mesmo tempo esperando seu grande amor. Na verdade, o motivo da fuga é seu amor, ou vice-versa.
Mas tudo é bem mais complexo que isso. O roteiro, lapidado de forma poética por Nichols, se foca principalmente no corajoso Ellis, encontrando o tempo necessário para explorar a fundo sua personalidade e concepção de vida, suas relações familiares, decepções juvenis, sua crença inabalável no amor, sua inocência simples e a beira da extinção. "Mud" retrata tudo aquilo que o amor devia ser, e o que ele realmente é. Um quadro belíssimo e ao mesmo tempo melancólico.
Interpretando Ellis e Neckbone temos Tye Sheridan e Jacob Lofland, duas legítimas crias do Arkansas, de personalidades incomparáveis, de sotaques pesados. A naturalidade dos garotos é fantástica. Ambos trabalham com perfeição as distintas camadas de humor e drama do texto. Eles são destaques absolutos em um elenco que conta ainda com grandes atores como Reese Witherspoon, o grande Sam Shepard, Ray McKinnon (realizando uma excelente participação como o pai de Ellis), Sarah Paulson e Michael Shannon (parceiro de longa data de Nichols).
Junto a dupla de iniciantes, o outro destaque é Matthew McConaughey. O intérprete, nascido no Texas, vem encarnando ótimos papéis sulistas nos últimos anos, e ganhando destaque com eles (vide "Bernie" e "Killer Joe - Matador de Aluguel"). Mas sem dúvida o enigmático Mud é o ápice de sua evolução como ator. McConaughey faz com que a solidão do homem seja palpável, um castigo compreensível a todos. Mud não é ruim, também não é dos melhores. Ele é desafortunado, um grande mentiroso cheio de coragem. Diante de tantas decepções, o mesmo vive fugindo - na verdade ele basicamente cria seus motivos para fugir, sem perceber.
E com esta eficiente exploração das qualidades e defeitos do trio principal de personagens, Jeff Nichols conquista a empatia do público. Para consolidar ainda mais a mensagem, o diretor faz da obra uma peça contemplativa, de cenas lentas e impactantes, hora absurdamente irônicas, hora profundamente emotivas, mas sempre dizendo algo mais sobre seus personagens. A trilha sonora incidental, composta por banjos, acordeons, violinos e violoncelos - que tocam música country/folk - estabelece o clima desejado, mas é na sutileza das composições, e muitas vezes no silêncio, que o longa encontra seus melhores momentos.
Por fim, "Mud" é uma experiência edificante. É cinema de qualidade, com uma história imensamente relevante. Quando vemos dois garotos protagonistas, trabalhando tão bem, com propriedade e claramente a vontade, nos lembramos dos filmes dos anos oitenta, que usavam a inocência de artistas mirins como um artifício para a história que contavam. Aqui essa inocência também é usada, de forma realista e visceral. Através dela nos lembramos como enxergávamos o mundo e suas relações, e é também através dela que vemos com certa tristeza como as coisas fatidicamente mudam.
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