Nebraska - Crítica
por
Ronaldo D'Arcadia
#Esta é a odisseia de um homem ordinário
A verdadeira riqueza se encontra na simplicidade. Quando vemos trabalhos como Nebraska, percebemos que uma mensagem, carregada de significados, não precisa necessariamente ser rebuscada. O caráter despojado de um argumento muitas vezes supera a verborragia e virtuosidade de outros. Isso é fato.
Nebraska nos conta a odisseia de Woody Grant, um velho ordinário que caminha rumo a debilidade física e mental. Mas enquanto isso não acontece, ele caminha para outro lugar, ou pelo menos tenta, insistentemente.
O caso é que Woody pensa ter ganho um milhão de dólares num sorteio qualquer, e nada tira de sua cabeça a necessidade de buscar o prêmio em Lincoln, no Nebraska - que fica a praticamente dois estados de distância de Billings, sua cidade em Montana. Como não dirige mais, ele tenta ir andando até lá, o que causa uma tremenda dor de cabeça em sua família.
Buscando eliminar de uma vez esta ideia maluca, o filho David decide levar o velho até Lincoln, sendo a viagem uma desculpa para que os dois passem um tempo juntos. Em outras palavras, uma última conversa antes do pai perder a pouca sanidade que lhe resta.
Mas alguns problemas surgem. Os dois decidem fazer uma parada estratégica pelo meio do caminho, em Hawthorne, cidade natal de Woody. Depois de muitos anos sem por um pé no lugar, ele chega envolto por ares lendários, já que a notícia de que ficou milionário se espalhou como um incêndio. É então que os abutres começam a sobrevoar o pobre coitado.
A primeira coisa a ser notada em Nebraska é a força do roteiro de Bob Nelson. É um trabalho pessoal incrível. Enquanto a ideia central evoca simplicidade, todo resto é talhado com esmero. Palavras são escolhidas com precisão, por mais chulas que sejam, e isso faz dos diálogos algo memorável. As divagações entre pai e filho sobre o Monte Rushmore, ou sobre os motivos de se casar, são algumas das linhas mais engraçadas de que me lembro nos últimos anos.
O elenco sem dúvida chama atenção. A maioria dos atores, no mínimo sexagenários, formam uma extensa e insana família de irmãos, tios e primos, e Bruce Dern é o destaque entre eles. O experiente ator resume, com seu senso de humor cáustico, o fim da vida de um homem rústico, de poucas palavras, que não deseja ser rico simplesmente por requinte. O que Woody Grant deseja na verdade é a oportunidade de desejar alguma coisa nova, que não seja um fim de vida miserável.
A atriz veterana June Squib também surge impagável com a personagem Kate, matriarca da família disfuncional. Não é todos os dias que vemos uma velhinha – que é idêntica a minha vó, diga-se de passagem – falar tanta besteira de uma vez só, e com tamanha naturalidade. Seu carisma é hilário.
Por fim, Will Forte e Bob Odenkirk interpretam os irmãos David e Ross. Os atores formam uma dupla improvável, mas muito eficiente. Além desses personagens servirem como um instrumento de redenção para o pai – que foi ausente e alcoólatra por toda vida –, eles acabam sendo também uma espécie de bússola moral: enquanto todos enlouquecem por causa de dinheiro e uma história mal contada, eles são os únicos que entendem a verdade. As maquinações, as mentiras e a ganância do mundo, unidas às decepções do passado do pai, servem como uma válida lição para os filhos, e consequentemente para todos nós.
E conduzindo esta viagem de muitos acertos, temos o exímio diretor Alexander Payne (Os Descendentes). Para imortalizar seus bucólicos personagens, Payne optou pelo visual belíssimo do preto e branco, o que dá personalidade distinta para produção (a iluminação impecável também ajuda). A narrativa é apresentada como um discurso dissonante, estranhamente bem humorado e esporadicamente melancólico. O drama e humor são peculiares, daqueles que não dão o braço a torcer, que não assumem que estão sendo tristes ou engraçados. Algo bem ranzinza mesmo.
Já a trilha sonora de Mark Orton é peça de destaque, e desempenha uma função crucial para o bom andamento do filme. Compostos basicamente por instrumentos de corda, pianos e trompetes, os temas passeiam por caminhos hora caricatos, hora carregados de sensibilidade. Em certos momentos, algumas influências de Orton lembram as melodias do francês Yann Tiersen, conhecido por seu trabalho em O Fabuloso Destino de Amélie Poulain, o que não deixa de ser um contraste interessante.
No final, Nebraska é feito de contradições, cheias de humor e drama nada óbvios, de personagens que tentam se odiar mas não conseguem, de estradas que não aproximam nada de ninguém. É poesia em forma de teimosia. A história de Bob Nelson nos adverte que acreditar nas pessoas é uma armadilha cruel e inevitável, e também nos lembra que todos precisamos de alguém para acreditar em nossas mentiras. Recomendado.
Nebraska: 2013/ EUA/ 115 min/ Direção: Alexander Payne/ Elenco: Bruce Dern, Will Forte, June Squibb, Bob Odenkirk, Stacy Keach, Mary Louise Wilson, Rance Howard, Devin Ratray, Tim Driscoll