Ari Folman faz cinema como bem entende, e isso é ótimo. O diretor israelense ficou conhecido internacionalmente após a repercussão estrondosa de sua obra prima, Valsa com Bashir, uma belíssima animação documental que remonta, por meio de memórias dele e de outros sobreviventes, os massacres da Guerra do Líbano em 1982. De fato, a proposta na época foi algo nunca visto: um documentário que transmuta de maneira poética e visualmente deslumbrante, não só os acontecimentos narrados, mas também os sentimentos dos narradores.
Mas a última empreitada de Folman não é menos desafiadora ou criativa do que isso. Neste novo trabalho, suas influências continuam claras, transgressoras, transformadoras. No entanto, pouco se ouviu falar na mídia de O Congresso Futurista, talvez porque sua complexidade temática não o faça um produto de venda, e sim de debate (uma mortificante contradição). O filme foi - como o próprio diretor atesta - em parte inspirado no livro de ficção científica e humor negro O Congresso Futurológico, do famoso escritor polonês Stanislaw Lem - cuja obra Solaris também já foi adaptada algumas vezes para o cinema, uma delas por Andrei Tarkovsky (adaptação que não agradou muito o autor).
A história de O Congresso Futurista é dívida em três partes completamente distintas. A primeira é voltada quase que exclusivamente para a análise da carreira e personalidade da atriz Robin Wright, que na produção interpreta a si mesma. Ela vende seu "Eu" para Hollywood, que a partir dali não precisa mais de sua presença física nos filmes (uma crítica sagaz inspirada na desumanização interpretativa do blockbuster Avatar). Com este contrato, ela aceita não trabalhar em produções cinematográficas, profissionais ou não, para sempre, ou enquanto isso durar.
Entenda o seguinte: Folman é a mente criativa por trás desta fábula, enquanto Wright é o corpo, alma e todos os sentimentos. É bizarra a forma invasiva com que o obra descreve a atriz, sua carreira, suas falhas e seus medos. Cate Blanchett era a primeira opção de Folman para a fita, mas o mesmo afirmou que depois de conhecer Wright, teria de ser ela. E isso foi fundamental para a própria estruturação do roteiro, pois fatos pessoais, até mesmo íntimos da vida da atriz, são a base do texto (Wright recusou 14 papéis consecutivos, nunca se tornando a grande atriz que poderia ser). Uma linha tênue, quase invisível, entre realidade e ficção, algo extremamente corajoso, que te faz enxergar a bela mulher com novos olhos admirados.
Já a segunda parte tem efeito lisérgico. O filme se transforma em uma alucinante animação, que pode ser definida tecnicamente como a mistura psicodélica de Yellon Submarine, com os traços cartunescos clássicos de Fritz the Cat. Este ato se passa no Congresso Futurológico de Stanislaw Lem, uma cortesia da mega corporação Miramont Nagasaki, fusão empresarial de entretenimento com a indústria farmacêutica de drogas alucinógenas e psicotrópicas.
Em um hotel com cem andares, pessoas se amontoam em uma festa sem fim, consumindo umas às outras, alucinando todos os desejo que lhes vêm à cabeça. Qualquer personagem ou coisa pode ser emulada. Robin Wright visita e finalmente conhece uma humanidade perdida no espaço e tempo de suas próprias mentes. Um lugar onde ela é uma espécie de rainha.
E por fim, o terceiro ato é o resto, é aquilo que sobrou.
Em resumo, apesar de falar do futuro, a mensagem de Folman é, acima de tudo, atual e extremamente pessimista. Embora Wright seja um símbolo da incansável busca humana por autoconhecimento, de maneira peculiar, o diretor nos fala que a ignorância, a falta de personalidade e a hipocrisia da sociedade serão sua própria ruína. Em uma comunidade em que todos se tornaram escravos da tecnologia e suas interações sociais remotas, pessoas já não sabem quem são, pois nada do que é dito neste espaço fabricado se traduz como verdade absoluta.
Com a distância velada destas relações, e sua alienação inerente, o resultado se revela o repúdio ao contato e a desvalorização do ser humano. Sendo assim, para que um desses humanos, uma atriz no caso, consiga tornar sua imagem evidente em meio ao coro de desalmados, ela deve virar propriedade, ser usada e digerida de qualquer forma existente, pois orgulho próprio não tem lugar neste desnecessário e absurdo mundo novo. O importante é parecer bem, agora se isso é verdade ou não já não interessa, não vende. Do compartilhamento desenfreado da informação o que emerge com mais rapidez é o lixo, e deste culto vem a transformação, pra pior. Recomendado.
O Congresso Futurista/ Le Congrès/ The Congress: 2013/ Israel, Alemanha, Polônia, Luxemburgo, França, Bélgica / 122 min/ Direção: Ari Folman/ Elenco: Robin Wright, Harvey Keitel, Jon Hamm, Paul Giamatti, Kodi Smit-McPhee, Danny Huston, Sami Gayle