"Dredd" tenta conquistar seu público por meio da violência... e consegue.
Acho que afirmar que um filme é bom devido a sua violência pode me fazer parecer um sádico, não? É óbvio que somente litros de sangue jorrando, tiros certeiros em cabeças e corpos despencando de alturas inacreditáveis não salvam uma produção... mas definitivamente deixam tudo mais maneiro.
Para que esse resultado sanguinolento seja assim tão positivo, uma direção eficiente se mostra necessária, além de um texto que no mínimo faça tudo funcionar corretamente.
Embora o trabalho do roteirista Alex Garland não seja livre de erros, ele pelo menos retrata bem o universo do personagem Dredd, criado por John Wagner e Carlos Ezquerra, onde a violência (tanto física como psicológica) é de fato uma peça chave importantíssima.
Logo no início temos uma curta explanação sobre como funciona esta distópica sociedade futura que se espreme na cidade de Mega-City One, um epicentro de criminalidade e frieza no meio de uma radioativa Terra Maldita. A lei - que ganha vida através dos atos de homens e mulheres do Hall da Justiça - só consegue atender 6% de toda sua "demanda", o que faz da luta ao crime uma corrida contra o tempo. Consequentemente surgem os Juízes: sujeitos altamente capacitados que capturam, condenam e executam (se for o caso) meliantes de todos os calibres, tornando o processo algo muito mais dinâmico.
Diante então deste alicerce, temos a trama principal do filme, que acompanha um dia incomum na vida do famoso Juiz Dredd. O cara está acostumado a trabalhar sozinho, mas diante de uma ordem direta, a novata Anderson é designada para acompanhá-lo durante o serviço, como uma forma de avaliação - a novata é uma espécie de mutante paranormal que consegue ler pensamentos, e por isso tem um enorme potencial.
Após atenderem a um chamado de triplo homicídio, e o mesmo ganhar proporções estratosféricas devido interesses escusos, eles se veem presos no Mega Block Peach Tree, um enorme prédio habitacional (com 75 mil pessoas) comandado por Ma-Ma, temida ex-prostituta que domina o tráfico da droga SLO-MO - que faz com que o cérebro de seus usuários vivencie a realidade a 1% da velocidade normal.
A única saída da dupla de Juízes é subir o prédio em busca de Ma-Ma, assassinar quem aparecer no caminho, realizar uma ótima prova de campo para a novata e, de quebra, desmantelar uma quadrilha de traficantes.
Em meio a tudo isso, o roteiro tenta (de maneira pouco relevante) trabalhar alguns elementos morais e dramáticos - vistos sempre pelos olhos da (relativamente humana) recruta Anderson. Mesmo o elo de ligação entre os dois é explorado de maneira pouco aprofundada (algo até compreensível, tendo vista suas personalidades robóticas), mas uma empatia pela dupla acaba surgindo.
Só que é na parte técnica que a obra encontra seu maior êxito. O universo da HQ é muito bem retratado, um excelente trabalho de produção e ambientação de cenários se destaca, a caracterização dos personagem é eficaz (em especial de Dredd, com algumas alterações muito bem vindas), e a direção inspirada de Pete Travis gera momentos de beleza visceral - temos ideias criativas sendo utilizadas sem medo, com ângulos e fotografia apoiando montagens de cenas e narrativa. O diretor opta pelo efeito slow motion moderadamente, e seu resultado é memorável: a violência gráfica se torna praticamente uma pintura.
Com um time de coadjuvantes relativamente fraco, as interpretações se apoiam no triângulo de protagonistas: Karl Urban oferece uma personificação perfeita para Dredd, sendo que as frases de efeito do personagem - em sua boca torta - ganham ares épicos: "It's Judgment Time" (Stallone foi finalmente banido do cargo).
E para apreciarmos a beleza de Olivia Thirlby, que interpreta a recruta Anderson, temos uma desculpa aceitável (pois afinal, neste universo deformado, é preciso certa beleza para equilibrar as coisas). Thirlby segue uma linha interessante com sua personagem, pois, apesar de certa frieza, é possível perceber sua humanidade latente, e a atriz consegue separar bem estas duas qualidades distintas.
Lena Headey também realiza um bom trabalho com sua Ma-Ma. Já acostumada com o papel de vilã (que exerce atualmente na série "Game of Thrones"), ela consegue levar sua interpretação por um caminho pouco óbvio, algo calmo e ao mesmo tempo dilacerante - uma psicopatia regrada e sem perder a linha.
Em resumo: a história de "Dredd" parece muito com a do longa indonésio "Operação Invasão", só que com mais contexto e motivações plausíveis. Apesar de não se aprofundar nos personagens como gostaria, o roteiro acerta ao retratar, de maneira contundente, todas as características exponencias que moldam o universo da HQ adaptada (como a violência brutal), conseguindo também aproximar a dupla de Juízes da audiência. O núcleo central de atores conduz bem a trama até seu desfecho e a direção inventiva de Pete Travis definitivamente engrandece o filme.
"Dredd" é uma ótima fita de ação, que nos remete a linguagem e violência oitentista de obras como "RoboCop" (de Verhoeven) ou "O Exterminador do Futuro" (de Cameron). Altamente recomendado para os fãs de ação e quadrinhos.
Dredd: Reino Unido, EUA, Índia/ 2012/ 95 min/ Direção: Pete Travis/ Elenco: Karl Urban, Olivia Thirlby, Lena
Headey, Rakie Ayola, Wood Harris