Parece indiscutível: filmes de máfia são sempre bens vindos. Apesar de "O Homem da Máfia" - título brasileiro extremamente preguiçoso - apresentar alguns problemas de execução, podemos dizer que o mesmo alcançou sua nota de corte, e adentrou o icônico gênero eternizado por mestres como Scorsese & Coppola.
Sua história não poderia ser mais simples: o dono de uma lavanderia (um cara apelidado de Squirrel) tem a brilhante ideia de roubar um antro de carteado e jogar a culpa de tudo no gerente do lugar, Markie Trattman (Ray Liotta) - sujeito visado por ter cometido a besteira de organizar um golpe ali mesmo, contra seus próprios empregadores - por ser gente finíssima, ele foi perdoado (uma espécie de milagre mafioso).
Squirrel recruta então dois meliantes de inteligência reduzida para efetuar o trabalho braçal - o de assaltar ou se preciso matar algum exaltado frequentador do estabelecimento. Mas tudo corre bem, e após o furto ser realizado é aberta uma "sindicância" do caso - devido a situação que obviamente esbarraria em Trattman -, e uma outra investigação para se descobrir os reais responsáveis pelo serviço - pois afinal, este mercado não é comandado por tolos.
Apesar de quantidade não significar qualidade, é certo dizer que a trama compacta de "O Homem da Máfia" acabou gerando problemas. Percebemos que a direção e roteirização de Andrew Dominik (do eficiente "O Assassinato de Jesse James pelo Covarde Robert Ford") tem altos e baixos vertiginosos ao tentar remediar a escassez de conteúdo: hora vemos longos diálogos de qualidades inegáveis, e pouco depois nos deparamos com momentos insossos, lentos demais e ligeiramente desnecessários.
Mas no geral Dominik entrega um bom trabalho. Ele constrói algumas inteligentes sequências que exploram a fundo a psique mafiosa, investigando desde a burocracia imposta pelos engravatados que lavam o dinheiro nos jogos, até a execução - gentil e suave (nem perto disso) - daqueles que tentam passar a perna nos chefões.
E outro elemento que fundamenta a produção é o constante paralelo entre o crime organizado e a recessão americana (que atingiu seu auge pouco tempo atrás, período em que se passa a história). No entanto, isso soa mais inteligente do que realmente é. Mesmo assim, algumas irônicas analogias se mostram perspicazes, como o fato do nervosismo americano desencadear ações que no final puxam alguns gatilhos - os EUA sempre foi um país movido por ganância e patriotismo, e não existe nada mais patriótico (e ganancioso) do que defender o que é seu enquanto conquista ainda mais. Essa é a eterna desculpa deles.
O elenco de caras pouco e bem conhecidas é um dos trunfos que fazem o longa funcionar em meio a seus problemas. Brad Pitt sempre convence quando o assunto é liderar. Com seu Jackie, ele basicamente reprisa o papel que fez na franquia "Tantos Homens e seus Segredos"..., adicionando apenas mais flexibilidade moral em relação ao caráter hediondo da violência. Ray Liotta (elevando a graduação gangster) também realiza uma grande participação com seu Trattman, personagem extremamente humanizado pelo ator (e que de quebra participa da mais bela cena da fita).
Ben Mendelsohn (como o imundo ladrão Russel) e Scoot McNairy (como o desafortunado Frankie) também merecem aplausos por suas interpretações. São eles que protagonizam os mais interessantes diálogos de todo o texto. E completando o casting temos um eficaz, mas deslocado, James Gandolfini, com seu assassino aleatório Mickey - que até oferece alguns interessantes argumentos -, e Richard Jenkins, como um mercador da morte do alto escalão que nem mesmo recebe nome nos créditos.
Mas é na direção de Andrew Dominik que "O Homem da Máfia" encontra seu lugar ao sol. Abusando de trucagens criativas, que brincam com a iluminação - simulando por exemplo a umidade de um olho se abrindo suavemente, técnica parecida com a de "O Escafandro e a Borboleta" -, vemos como resultado final algo apurado e belíssimo. A fotografia fria quase faz da obra um noir, e temos também trechos em slow motion, usados aqui de maneira fantástica, enfatizando com riqueza de detalhes a gráfica violência contida na história, dando a ela então contornos poéticos.
Dominik obviamente acerta ao efetuar longas cenas sem cortes, muito bem montadas e coreografadas - a opção dificulta o processo de filmagem, por tornar a tomada mais suscetível a erros, só que os problemas são compensados pela excelência do conteúdo alcançado. A trilha sonora também se mostra importante, principalmente quando elege Johnny Cash o porta voz de más notícias com "When The Man Comes Around".
No final, em meio a certa irregularidade, "O Homem da Máfia" encontra seu caminho, demonstra personalidade, e faz com que seus acertos se sobressaiam aos erros. Explorando o "american way of life" do crime organizado, o roteiro nos revela que em tempos de recessão, mesmo que digam o contrário, todos os americanos estão mais sozinhos do que nunca, nervosos e prontos para se defender. Recomendado.
O Homem da Máfia/ Killing Them Softly: EUA/ 2012/ 97 min/ Direção: Andrew Dominik / Elenco: Brad Pitt, Scoot McNairy, Ben Mebdelsohn, James Gandolfini, Richard Jenkins, Ray Liotta, Sam Shepard