#Sobre a Ganância e a Semente
Certo criticismo envolve a franquia O Hobbit desde seu início. Alguns acusam ela de oportunista, por diluir o conteúdo de um livro em três filmes, outros taxam a escolha dos 48fps como um erro, e que o resultado é estranho e decepcionante. Outros ainda afirmam que o desenvolvimento de Thorin Escudo de Carvalho ficou de dar sono.
Exageros à parte, é certo dizer que a história de O Hobbit, no cinema, não é tão cativante como, por exemplo, a de O Senhor dos Anéis. Esta é uma comparação que parece justa e injusta ao mesmo tempo. Mas é preciso lembrar que ambas as trilogias foram gravadas de forma semelhante, pela mesma equipe, nos mesmos sets, e mesmo assim uma é superior a outra, pelo menos em termos narrativos.
Mas isso é fácil de entender, pois afinal, na sacrificante epopeia de Frodo e Sam, existem mais personagens, com diferentes objetivos, divididos em mais núcleos, o que consequentemente gera mais plot twists e mais fluidez para a trama. Já todo pensamento de O Hobbit aponta para a mesma direção, e isso em tela, promove um desenvolvimento moroso do roteiro, que exige um pouco mais de imersão voluntária do público, por assim dizer.
E se fosse apenas um filme, ou dois, isso aconteceria? Talvez não. Afirmar com toda certeza do mundo que, se O Hobbit fosse apenas um filme, sua recepção seria melhor, que não enfrentaria críticas e que o resultado seria superior, é apenas presunção. No entanto, mesmo que as motivações por trás dos três filmes fossem financeiras – pois nada acontece apenas por causa dos belos olhos da Tauriel –, erguer uma produção como essa não é nada fácil, ainda mais rodeado por inúmeros problemas judiciais envolvendo a "marca" Tolkien. Devemos lembrar que há uns cinco anos atrás, a realização de O Hobbit era praticamente um sonho utópico, que meio que renasceu como trilogia.
Ainda assim, com problemas narrativos e acusações diversas, a mensagem do roteiro, ironicamente de repúdio a ganância e toda a ignorância que ela proporciona, é tão emblemática em O Hobbit que se torna mais abrasiva do que em O Senhor dos Anéis, este que por sua vez dá mais ênfase a seus personagens. A loucura de Thorin pode ser considerada uma analogia perfeita do maior e mais corrosivo mal de nossa história como sociedade: a corrupção desmedida pelo poder.
E recompensando a atenção dos fãs, o alquimista Peter Jackson novamente transforma sua Nova Zelândia na Terra Média de Tolkien, como em um passe de mágica. É um prazer incomensurável acompanhar o deslumbre visual proporcionado pelo diretor em A Batalha dos Cinco Exércitos. Os 48fps demonstram o quão perfeito é todo o trabalho de cenografia e figurinos. Tudo é feito com uma riqueza de detalhes reveladora, uma opção corajosa, que ao expor demais, exige atenção redobrada.
Os efeitos especiais incríveis misturam realidade e magia, igualam dragão e executor como se os dois fossem feitos da mesma matéria, montam ambientes colossais, dão vida a criaturas assustadoras. De olhos arregalados vemos humanos fugirem do fogo da morte, magos lutando contra os espíritos dos homens, orcs enfrentando anões e elfos em massivas batalhas, talhadas com esmero. O final de A Batalha dos Cinco Exércitos emociona bastante, não pela trilha sonora impecável de Howard Shore, nem pela atuação auspiciosa de Martin Freeman e todo elenco, mas sim pela mensagem, pelo justo preço da ganância, pela semente que será plantada e trará lembranças, pela amizade de Bilbo e Thorin. Recomendado.
O Hobbit - A Batalha dos Cinco Exércitos/ The Hobbit: The Battle of the Five Armies: Eua, Nova Zelândia/ 2014/ 144 min/ Direção: Peter Jackson/ Elenco: Ian McKellen, Martin Freeman, Richard Armitage, Ken Stott, Graham McTavish, William Kircher, James Nesbitt, Stephen Hunter, Dean O'Gorman, Aidan Turner, John Callen, Peter Hambleton, Jed Brophy, Mark Hadlow, Adam Brown, Orlando Bloom, Evangeline Lilly, Lee Pace, Cate Blanchett, Benedict Cumberbatch, Mikael Persbrandt, Sylvester McCoy, Luke Evans