Ele segue...
Imagine um mal que te segue de maneira implacável. Fugir apenas mascara a situação, pois a todo momento aquilo se aproxima, lentamente, com as mais diferentes formas e rostos, sempre se adaptando, até fatalmente te alcançar.
A eminência da morte é o corpo que dá movimento ao surpreendente Corrente do Mal, filme de horror indie que faz de uma proposta clássica de linguagem algo inovador para o gênero. Fica bastante claro que a produção bebe da mesma fonte que inspirou outros grandes diretores de horror e suspense, como John Carpenter, George Romero, Dario Argento e Brian De Palma.
Na história, acompanhamos o sofrimento da garota Jay, que depois de ter relações sexuais com seu novo namorado, começa a ser perseguida por uma entidade sobrenatural. Com o auxílio de sua irmã Kelly, e dos amigos Yara e Paul, ela tenta descobrir alguma forma de escapar do pesadelo que está vivendo.
O diretor e roteirista novato, David Robert Mitchell, declarou que a ideia por trás do trabalho veio de sonhos que ele tinha quando criança. A sensação de ansiedade presente nestes sonhos foi a grande inspiração para a ambientação do filme, que de fato, possui um clima de tensão extremamente imersivo e perturbador.
A narrativa segue uma linha contemplativa, de beleza estética quase sempre mórbida e poética. Tecnicamente, Mitchell busca a simetria dos enquadramentos, minimizando os cortes de cena, viajando com sua câmera lentamente por locações abandonadas, enquanto acompanha os passos inicialmente tranquilos dos personagens, e posteriormente, o movimento desesperado dos mesmos.
A trilha sonora oitentista de Rich Vreeland (aka Disasterpiece), que vem carregada de teclados e melodias sintetizadas, se faz extremamente importante para o desenvolvimento da personalidade da obra. Enquanto o silêncio absoluto edifica o suspense para audiência, linhas abruptas e cortantes transformam, por exemplo, uma rua deserta num lugar incômodo e assustador em questão de segundos.
Existe uma certa atemporalidade que torna a experiência ainda mais estranha e surreal. Os jovens protagonistas assistem filmes de ficção científica em preto e branco, e ao mesmo tempo possuem aparatos tecnológicos inexistentes nos dias de hoje. Os figurinos, cabelos, carros, e até mesmo os subúrbios de Detroit respiram como os anos oitenta, isso talvez por que a vizinhança de Corrente do Mal pareça exatamente a mesma do filme Halloween.
A jovem equipe de atores é muito bem conduzida, e o resultado convence. O grande destaque é a protagonista Jay, interpretada por Maika Monroe – a jovem tem no currículo o excelente (e também muito estranho) The Guest. De cabelos loiros claros como palha, e aparência pálida, a competente atriz parece ter nascido para filmes bizarros como este. Seu carisma faz com que todos torçam por ela.
No entanto, Corrente do Mal não é perfeito. Existem algumas facilitações do roteiro que possibilitam um caminho sem complicações para trama. Mesmo o andamento, que traz maior intensidade ao suspense, as vezes incomoda pela lentidão. Ainda assim, esses problemas se tornam pequenos diante da capacidade excepcional do filme de transmitir sua mensagem, no caso, toda a angústia vivenciada pela protagonista. Novamente, é algo próximo de trabalhos clássicos do gênero, e que já não vemos com frequência.
No final, Corrente do Mal é praticamente uma lenda urbana, que pode ser usada para educar jovens libertinos. É uma doença venérea infernal que forma um clube de amaldiçoados. Brincadeiras à parte, a ideia de viver a vida olhando por cima dos ombros é de fato perturbadora. Recomendado.
Corrente do Mal/ It Follows: EUA/ 2014 / 100 min/ Direção: David Robert Mitchell/ Elenco: Maika Monroe, Keir Gilchrist, Olivia Luccardi, Lili Sepe, Jake Weary, Daniel Zovatto, Mike Lanier, Ingrid Mortimer